DE “PERRENGUE À SASTIFAÇÃO”
Eu estava caminhando pelas estradas do interior da minha amada Minas Gerais, por volta das duas horas da tarde, com sede, calor forte, tempo abafado, parecia que a chuva estava por perto.
Avistei ao longe uma residência que ficava à beira da estrada de terra batida por onde eu caminhava.
Fui aproximando e decidido chegar até à casa que de longe já se percebia que era uma casa em alvenaria, pintada de branco, telhado de cerâmica, as janelas em persianas e quando cheguei perto, percebi que o terreiro era cimentado e havia antena de TV sobre uma estrutura de concreto ao lado da casa.
Quando lá cheguei, bati palmas e o cachorro que dormia embaixo do pé de laranjeira, acordou-se e veio latindo. Era um cão amarelo porte médio, que ao mesmo tempo
em que latia, abanava o rabo dando boas vindas.
Na janela do lado da chaminé, uma senhora com pano branco na cabeça, saiu na janela para ver porque o cachorro latia. Ficou olhando por alguns minutos e decidiu vir ao meu encontro.
Era dona Zulmira, uma senhora de aproximadamente uns sessenta e cinco anos, de pele queimada pelo sol, sorriso tímido, olhar desconfiado e passos firmes naquele terreiro cimentado.
Ela raiou com o cachorro chamado Mosquito, saudou-me apertando sua mão direita na minha, ainda que levemente, dando boa tarde.
Eu disse que estava com sede e pedi água para beber. Ela, antes de aceitar a minha chegada, perguntou-me quem eu era, de onde vinha e para onde estava indo. Só depois da resposta dada que ela me convidou para chegar.
Num banco de madeira na varanda da porta da cozinha, ela passou um pano e convidou-me para sentar. Trouxe uma caneca de alumínio vazia e me ofereceu a água que caía constantemente em um tanque de cimento que ficava na mesma varanda. Água fresquinha que vinha através de um cano de plástico de meia polega direto da mina que se localizava numa restinga próxima.
Eu, sem esperar nada, fui até à fonte, bebi água até demais e só depois começamos a conversar. Na prosa, dona Zulmira ia tecendo os comentários sobre sua propriedade, a seca que sempre rondava a região, a lavoura familiar, o marido que tinha as pernas cheias de varizes, os dois filhos que moravam em Pedra Azul e a pressão arterial dela que sempre dava trabalho.
Enquanto conversávamos, foi saindo um cafezinho passado num coador de pano e broas de pau-a-pique que ela mesma fazia.
Disse a ela que eu via uma boa estrutura em sua propriedade, uma casinha boa, vários animais e até uma mula de cela, de arado e de charrete. Isso porque os utensílios mencionados estavam exposto numa varanda ao lado do paiol com esteios de concreto. E numa garagem perto da casa, um automóvel gol vermelho bem conservado.
Respondendo à minha indagação, dona Zulmira disse-me que agora era tudo “sastifação”, mas que antes eles passavam um “perrengue” naquele lugar. Eles não tinham nada, viviam numa taperinha, pra sair de casa, só de charrete, não tinham água encanada e as coisas que produziam muito pouco valia. E graças àquele homem do Nordeste que está governando por eles, os pobres desse brasilzão, estavam vivendo do jeito que sempre sonharam.
Hoje, lembrando-me daquele dia, comecei a pensar: Como será que dona Zulmira está vivendo agora naquele lugar?
É isso aí!
Acácio Nunes