ESTRANGEIROS

Determinado alguém fazia parte das partes do meu dia a dia. Éramos conectados aos mesmos dramas existenciais, mesmas alegrias, proximidades de ideias e dialogávamos suavemente sobre o despautério de se viver debaixo da pele em que vivemos, debaixo da pátria onde nascemos. Um belo dia já não éramos aquilo, estranhamo-nos diante do tempo, eu diria.

Certo dia estava eu observando tamanhas transformações nos diálogos. Foram minando espontaneamente. As orações já não eram mais orações, mas frases menores, e essas começaram a ficar espaçadas, a ponto de dias depois converterem-se numa conversa monossilábica. Acabou.

Esse caso me fez refletir durante alguns minutos. Imaginava todo um quebra-cabeças desmontado numa porção de segundos. Enfim, acredito ter amadurecido, afinal, não sentia nenhuma saudade, apenas ria serenamente, certo do ciclo ter acabado. E foi muito saborosa aquela sensação.

Não temas se as pessoas já não são mais as mesmas contigo. O indivíduo humano é palco de mutabilidades constantes. Somos vastos, e enquanto houver outros, novas chamas brotarão nos jardins colecionáveis das nossas vidas. Nosso principal erro é duvidar que um dia as flores poderão ser arrancadas.

Rupturas precisam ocorrer, numa rodada de choques precisos, sem medo de evoluirmos. Evoluir dói, sangra, desconserta, choca. Haverá novos dias, certamente, propósitos que somente nossas forças deverão armazenar. Amanhã renasceremos outros, novos indivíduos que os outros também não reconhecerão. Tudo bem! Sem lamúrias... Desejamos tanto efemeridades a ponto de não contemplar o caminho.

Foram sobras jogadas ao vento... O mar atravessava as areias daquele castelo onde dois seres habitavam harmonicamente. Esses sumiram, não quer dizer que algum dia não se encontrarão no desencontro divino da vida, porém, já não falavam mais a mesma língua: eram estrangeiros.

Hivton Almeida
Enviado por Hivton Almeida em 03/08/2021
Código do texto: T7312803
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