saí pra dar um rolê no Bixiga
Saí pra dar um rolê no Bixiga.
Levava numa sacola algumas coisas pra fazer. Doar roupas, comprar uma peça de um mixer, trocar a sola de um sapato.
Subo a 13, a minha rua.
Deixo algumas peças de roupa na escadaria; logo alguém aparece pra pegar.
Eu tinha quebrado, sem querer, a parte que solta do Mixer e fui comprar uma nova. Tem uma lojinha na 13 que vende esse trecos. Toda essa rede de pequenos comércios, lojinhas, é que dão a cara a um bairro. Em cada pedacinho, em cada porta, , em cada canto, eu lembro de alguém, de alguma música, de tudo que ainda é.
A peça é feita pra ser quebrada, como os copos de vidro e as vidraças das agências bancárias; fui saber só depois que o preço de uma nova era só 30% mais caro que a peça. Enfim... tudo pelo rolê.
Na loja de trecos perguntei sobre a a Italmocassim, a última loja de sapatos do Bixiga; o vendedor disse que ela estava fechada, o dono morreu.
A última das lojas de sapatos, das tantas que existiram. Um sapato da Italmocassim, não é igual a um mixer vagabundo. Mostro a sola estraçalhada, é uma sola confort; me disseram que um sapato assim não podia ficar guardado dentro da caixa, é uma sola de borracha, o sapato é uma delícia, quero consertar de qualquer jeito.
O atendente da loja diz que uma funcionária que trabalhava na Ital agora está trabalhando no sacolão logo ali em frente.
O vendedor puxa um papo falando das profissões que vão se extinguindo (os filhos do dono da Italmocassim não quiseram continuar o negócio) e novas profissões vão surgindo... acho um inferno as coisas de plástico ou com tomada, a obsolescência programada, o fim das lojas de sapato no bairro, a invasão americana, o fim do uso dos sapatos, a calça jeans, o fim das associações de classe. Digo:
- Nem sei o que falar sobre isso. Não falo nada, mas me despeço dizendo que foi uma boa conversa.
No sacolão pergunto pra uma e outra se ela era a ex-vendedora. Mostro meu sapato (no dia eleição passada ele arrebentou bem em frente à estátua de são José; era domingo e eu pude comprar outro sapato na feira da Dom Orione e pude ir trabalhar convenientemente calçado...) ela diz que não tem conserto!
Penso comigo: vou encontrar um sapateiro, um bom sapateiro.
Trabalhei em 1978 como office boy numa revista naquela galeria, a Galeria Espiral.
A Galeria Espiral vale um passeio, precisa ser revitalizada, é certo, mas tem essa estrutura em espiral, uma arquitetura estilo Bienal. Ela tem a entrada principal na Rui Barbosa esquina com a Brigadeiro; tem um número expressivo de lojas: são clubes, cabeleireiros, despachantes, um alfaiate, costureiras, mas não tem sapateiros, assim me disse uma jovem que fazia a faxina.
De volta a minha busca entro na Pedroso, desço a Martiniano; um passe na Messiânica.
Sim, um passe. Respondo ao rapazinho que ministrou o Johrei que conheço a igreja desde 1972; minha vó Sinhana a frequentava, depois minha vó Zizita.
Na Martiniano o 312, casa da Sinhana, não existe mais, o 271, da Vila Itororó, está com tapumes. No apartamento do meu tio Durval, na frente da igreja, moram outras pessoas há 45 anos.
Vou até a secretaria da igreja do Carmo comprar um escapulário (quem morrer usando esse escapulário não vai pro inferno), mas esse tipo de venda só ocorre no horário de missa.
Volto a Brigadeiro e desço a Francisca Miquelina, onde morei na primeira infância em dois predinhos distintos, que a distinçãoé a gente que faz.
Na Maria Paula encontro o último dos moicanos, o último dos sapateiros, Sapataria Mosley. O conserto sai caro, o preço de um sapato novo, mas não um sapato da Italmocassim.
Vou voltar; antes uma passada no sacolão: frutas.
Na Pérola Byington existe um acampamento, tanta gente nas ruas,
muitas barracas. Um caboclo, de longe, grita:
- Ê, cachoeira! como é que você está?!
- Firmão.
Nunca vou deixar esse bairro.