Imagine um dia de sol
Segunda-feira, vinte de maio. Recebo um e-mail da editora Andross recusando meus textos. O editor alegou que meus textos eram, por falta de palavra melhor, infantis demais para tal concurso. Manifestei minha insatisfação com outro e-mail. A resposta dada foi praticamente igual à outra. Em um primeiro momento eu não havia concordado com a opinião do editor, porém passei toda a noite pensando no que ele dissera. Acordei cedo na terça-feira. Já estava aceitando o veredicto do editor. E aceitei.
Escrevo de forma infantil? Talvez, mas qual o problema nisso? Que eu seja lido por velhos, jovens e principalmente crianças. O importante hoje para mim é ser lido. Que culpa tenho eu de escrever sobre a mente de uma criança, sobre o universo desconhecido que cada garotinho tem pela frente após se dar conta do mundo ao seu redor. Acompanhe comigo:
Imagine um dia de sol, um agradável dia de sol. Crianças vigiadas pelos pais brincam nos balanços e escorregadores do parque. Sentadas no banco de areia, duas outras crianças tentam fazer um castelo. Dois meninos. Há cavalinhos e soldados. Há também um pequeno balde servindo de molde para as torres. Conforme eu disse, é realmente um dia agradável. Poucas árvores. As mais altas têm um balanço maior; as mais baixas foram usadas para pendurar pneus.
Folhas secas, grama e crianças. Os dois meninos no banco de areia não se conhecem. Apenas os pais se falam vez ou outra no elevador do condomínio onde moram. O primeiro tem cabelos pretos e olhos castanhos, o segundo também tem cabelos pretos e olhos castanhos. Têm a mesma idade e fazem a mesma coisa: constroem um castelo de areia. As outras crianças do parque são mais agitadas. Pulam, correm; a maioria joga futebol.
Os nossos pequenos construtores ainda estão com a mão na areia. Levantando torre por torre, muro por muro. Eles são tranqüilos, talvez os mais calmos de todo aquele parque. Terminaram cada qual seu castelo. Olharam-se por alguns instantes, mas logo procuraram desviar o olhar, coincidentemente para o mesmo local: a única árvore que mostrava indícios de um outono próximo. Uma folha se desprende e cai lentamente. Os meninos acompanham o movimento suave que aquela folha faz. A mãe do primeiro menino aparece para levá-lo embora. O segundo menino continua lá, observando a folha que agora toca o chão exatamente em cima de um pequena poça d’água, formando uma ponte para algumas formigas que passavam por ali seguirem caminho. O menino sorri. Percebe que aquilo não é comum.
Com o tempo esse menino aprende a observar. Procurar a mesma sensação que teve ao ver aquela folha cair interagindo com o trajeto das formigas. Quando aprendeu a ler e escrever, começou a anotar os pequenos detalhes dos seus dias. Não só as árvores e os bichos ele observava, mas também as pessoas. Os hábitos de cada um, as manias. Ainda há muito que se falar desse menino. Mas eu adianto a você, caro leitor, que o futuro desse menino (mais que um desejo meu) é se tornar escritor.
Há um abismo entre a coincidência e o destino.