Do Espírito de Corpo
Procurando bem
Todo mundo tem pereba
Marca de bexiga ou vacina
Ciranda da Bailarina – Edu Lobo/Chico Buarque
Trabalhar em equipe requer abrir mão de muita individualidade em prol do sucesso do time. Parece frase de motivador empresarial, mas estou me inspirando na verdade no grupo de teatro do qual participo atualmente.
A tolerância com os defeitos dos outros é um dos aspectos que temos que atentar. E todos nós humanos somos defeituosos (menos a bailarina, diria o Chico Buarque). Assim, por mais que ajamos com senso de justiça e achemos que isso é uma virtude inegável ou que sejamos sempre muito rígidos, pensando que isto é uma virtude inegável, os efeitos sobre o grupo podem ser danosos, se considerarmos os desejos individuais.
Exemplo: digamos que o grupo tenha estabelecido uma regra e que, em determinado momento, José, um dos componentes do grupo, queira, por razões de interesse individual, violar a regra estabelecida. Uma pessoa, Maria, com aguçado senso de dever e justiça terá o desejo de reagir. Conforme a relação que houver entre os dois, a reação pode ser completamente diferente. Se Maria ama José, ela o chamará para uma conversa privada e dirá a ele que está violando uma regra que, uma vez violada, servirá de porta de entrada para todos os outros elementos do grupo e não servirá para mais nada. Ela tentará convencê-lo de retirar seu pleito. Ele por sua vez, se a ama de volta, considerará sua observação muito importante e pertinente. Tudo o que ela diz ele ouve com atenção. Há uma grande probabilidade de tudo acabar bem, dependendo do grau de egoísmo de José, o pretenso violador de regras. O grupo sairá ganhando, pois não se desarmonizará.
A outra situação é se Maria não ama José (pouco amor não é amor, diria Nélson Rodrigues), pois não o conhece muito bem e conseqüentemente não o aceita integralmente, como se costuma agir com desconhecidos. Nesse caso é provável, dependendo da lucidez de Maria, que prevaleça a intolerância. Maria poderá agir de duas formas: reclamar de José na frente dele, para todo o grupo – como se faz nas assembléias. Nesse caso, dependendo do grau de maturidade psicológica dos envolvidos, o assunto poderá ter final feliz (depois de um inevitável bate-boca entre José e Maria). O grupo pode sair ganhando fortalecimento, mas terá que ter um tempo de descanso até voltar a poder trabalhar harmonizado. O arranca-rabo o desarmonizou temporariamente.
Maria poderá ainda (o que seria o pior dos erros) esperar que José esteja afastado do grupo para reclamar dele. Nesse caso o grupo ficará em situação difícil: a) dar razão para Maria, porque sua argumentação é lógica e justa, mas trair José, aceitando falar dele sem que ele possa se defender – ou, se for o caso, sem que possa aprender sobre o erro de sua reivindicação individualista – o que tornaria a perda de José do grupo quase inevitável, desarmonizando-o b) dar razão para José, aceitando a violação da regra sem defesa, o que certamente desarmonizaria o grupo por mexer com o senso de justiça de todos ou, pior, fazendo-o descrer das regras estabelecidas.
Enfim, trabalhar em grupo, valorizar o sucesso do coletivo em detrimento do individual, não é tarefa óbvia e fácil, mas dura e complexa, que requer amor, tolerância, amadurecimento psicológico, reflexão. Esta tarefa não pode ser imposta, por desejo do Estado (como tentou a ideologia comunista), nem por desejo do líder do grupo. É tarefa de construção individual. É tarefa de escolha consciente de cada um.