A flor e a fonte (lembranças de um poema)
Ontem a professora do “grupo escolar” onde estudo escreveu na lousa um poema para ser copiado. Era um dever de casa. Copiei e escrevi no caderno: Para casa, decorar A flor e a fonte, de Vicente de Carvalho. À tarde empenhei-me na tarefa. À noite, à luz de lamparina, fui testar a memória (meu pai conferindo no texto e ajudando).
Que estranho, foi ontem, parece, mas esse ontem está tão longe e escuro que só pode mesmo existir à luz de lamparina. “Grupo escolar”, “lousa”, “curso primário”...
Naquela época, bem me lembro, à noite minhas mãos normalmente cheiravam a querosene, assim como os manchados cadernos de escola. Eu tinha uma lamparina que era só minha, e a pobre luminária sofria sacolejos de toda espécie para iluminar meus brinquedos. Era a tecnologia avançada da época, à falta de energia elétrica.
As noites da minha infância, dentro de casa, eram aquecidas e iluminadas com fogo. Aqui, lembrança especial do fogão a lenha. Lá fora, era tudo coberto de suave branco azulado, cor da Via Láctea. Já adulto, nunca mais vi a via láctea completa. É verdade que o computador, agora, mostra-me algo parecido, e com informações técnicas importantes, fico até sabendo que as estrelas levam séculos para morrer, e que muitas estrelas que vemos agora já morreram há muito tempo, embora continuemos a ver a sua antiga luz. Mas a Via Láctea que eu via era bem verdadeira. E com a imaginação que o computador não tem.
Não deixa de ser um paradoxo, quanto mais luz na cidade, menos estrelas à vista. Nesta cidade moderna, se olho o céu à noite vejo a Lua e algumas estrelas. Só. Não é nostalgia nem saudosismo. É apenas uma observação sobre os momentos da vida. Mania minha: ficar comparando “o antes” e “o depois”.
Não tenho mais na memória todo o poema. Mas o final é inesquecível:
Ontem eu estava decorando o poema, depois o tempo passou, e muito. Não tão rápido como um relâmpago. Nem tão lento como a morte de uma estrela.
(...)
"E a fonte, rápida e fria,
Com um sussurro zombador,
Por sobre a areia corria,
Corria levando a flor."
(...)
(Vicente de Carvalho)
"E a fonte, rápida e fria,
Com um sussurro zombador,
Por sobre a areia corria,
Corria levando a flor."
(...)
(Vicente de Carvalho)
Ontem a professora do “grupo escolar” onde estudo escreveu na lousa um poema para ser copiado. Era um dever de casa. Copiei e escrevi no caderno: Para casa, decorar A flor e a fonte, de Vicente de Carvalho. À tarde empenhei-me na tarefa. À noite, à luz de lamparina, fui testar a memória (meu pai conferindo no texto e ajudando).
Que estranho, foi ontem, parece, mas esse ontem está tão longe e escuro que só pode mesmo existir à luz de lamparina. “Grupo escolar”, “lousa”, “curso primário”...
Naquela época, bem me lembro, à noite minhas mãos normalmente cheiravam a querosene, assim como os manchados cadernos de escola. Eu tinha uma lamparina que era só minha, e a pobre luminária sofria sacolejos de toda espécie para iluminar meus brinquedos. Era a tecnologia avançada da época, à falta de energia elétrica.
As noites da minha infância, dentro de casa, eram aquecidas e iluminadas com fogo. Aqui, lembrança especial do fogão a lenha. Lá fora, era tudo coberto de suave branco azulado, cor da Via Láctea. Já adulto, nunca mais vi a via láctea completa. É verdade que o computador, agora, mostra-me algo parecido, e com informações técnicas importantes, fico até sabendo que as estrelas levam séculos para morrer, e que muitas estrelas que vemos agora já morreram há muito tempo, embora continuemos a ver a sua antiga luz. Mas a Via Láctea que eu via era bem verdadeira. E com a imaginação que o computador não tem.
Não deixa de ser um paradoxo, quanto mais luz na cidade, menos estrelas à vista. Nesta cidade moderna, se olho o céu à noite vejo a Lua e algumas estrelas. Só. Não é nostalgia nem saudosismo. É apenas uma observação sobre os momentos da vida. Mania minha: ficar comparando “o antes” e “o depois”.
Não tenho mais na memória todo o poema. Mas o final é inesquecível:
"As correntezas da vida
E os restos do meu amor
Resvalam numa descida
Como a da fonte e da flor..."
E os restos do meu amor
Resvalam numa descida
Como a da fonte e da flor..."
Ontem eu estava decorando o poema, depois o tempo passou, e muito. Não tão rápido como um relâmpago. Nem tão lento como a morte de uma estrela.