ALICATE

Era aleijado. Puxava uma perna. Mas, estranhamente, não se sabe por quais artes, ele surgia aqui, ali e acolá, como se tivesse asas. Cara suja, roupa suja, camisa aberta mostrando o que ele julgava sensualidade naquele peito-titela, suado e fedorento. A perna da calça, rasgada até a bainha, mostrava a canela torta e cheia de retombos.

Lá vinha o peste do Alicate pelos lados do Atheneu, pelos fundos, pela frente... Na praça Camerino, entre os canteiros, por trás da estátua, pelo lado da banca de revistas de Messias. Esticava a perna feia pela rua Pacatuba, pela Itabaianinha, pela João Pessoa. Lá estava ele no Parque Theóphilo Dantas, atravessando pelo meio da Sorveteria Iara, pelo Cacique Chá. Olha ele de novo, agora tomando sorvete na Sorveteria Cinelândia, de Seu Araújo. Atravessava com aquela cara cínica em direção aos Correios. Arrodeava e, menos se esperava, estava sentado em um banco da catedral vazia. Saía, dirigia-se à pontezinha nos fundos da catdral. Ficava sob os oitizeiros, encostava-se nas árvores próximas à barraca de cachorro-quente. As meninas do Colégio Jackson de Figueiredo, bonitas, cheirosas, não eram pro seu bico, mas ele tentava, arrastava-se e até conseguia passar as mãos imundas nos cabelos das garotas.

Um dia, Alicate, ali pelas três horas da tarde, estava postado à porta de uma casa comercial ao lado Cine Aracaju. A braguilha aberta e o gesto sacana. Levou uma carreira dos funcionários. Outro dia tomou liberdade com uma moça acompanhada de um noivo pit-bull. Outra carreira desembestada. Desse dia para cá não vi mais o peste do Alicate. Deve estar no purgatório infernizando as almas, o miserável.

14/03/2005