DO YOU SPEAK ENGLISH?
Aracaju, anos 60. Puro e dourado ar primaveril. O sol visitando as casas, aproveitava para tomar o cheiroso café da manhã. Delicadamente... na faixa onze/doze horas, algumas nuvens fofas, bolões de algodão, passavam caprichosamente sopradas por uma brisa,distribuindo poesia nos cabelos das moças bonitas.
Essa coisa de moça bonita e moça feia faz Vinícius vir à baila com o seu uísquinho na mão.
Primeiro dia de aula no Atheneu Sergipense. Março era o mês. Maravilhosos tempos aqueles em que as escolas reabriam suas portas em março.
Tudo naquele colégio era lindo. Os cabelos das moças eram virgens, tinham brilho natural, tinham volume e balanço. Como eram sublimes os rabos-de-cavalo batendo, cadenciadamente, num e noutro ombro das garotas.
Os rapazes suspiravam, amavam platonicamente, empalideciam. Adoeciam, mesmo sem nada saber sobre Platão, ou sobre o mal-do-século.
Havia risos, conversas, papos animados, psius, cantadas tímidas. Não havia palavras, ofensas, violência. Professor não era made in Paraguai e os alunos ostentavam um ar de by appointment.
À porta da sala estava sempre, à disposição do mestre, uma inspetora. Que saudade de dona Domitila! E de dona Maria, uma senhora evangélica que fazia questão de pregar, mesmo sob o pouco caso dos adolescentes.
Manezinho, cadê você? Manezinho era um inspetor com poderes de diretor. Usava terno de linho branco. Hoje, nem um diretor se veste assim. Os sapatos eram pretos e reluzentes, estilo Presidente, Manezinho, baixinho e gordo, inchado de autonomia, de ousadia. Deu uma suspensão, estava dada. Pediu a expulsão de um aluno? A Direção acatava. Nada de discussão, de ponderação, de ai-meu-pé-tá-doendo. Errou, castigou!
Bom e inesquecível Atheneu. Foi lá onde aconteceram os fatos mais marcantes das vidas de muitos sergipanos. Registro um deles passado naquele primeiro dia de aula em março de 1966.
Estávamos todos ansiosos pela chegada da professora de Língua Inglesa. Entra uma bela e bem vestida morena de cabelos alcançando as espáduas. Relógio, bracelete egípcio, trancilim, anéis e brincos de brilhantes. Um esplendor.
Para começar, do alto de seus sapatos, a professora mandou um sonoro e empinado good-morning. Fez uma cara de mantenha a distância e um bico de nem-te-ligo.
Os corações dos alunos dispararam, bateram em todos os ritmos e cadências. Mais uma vez a professora de Inglês pronunciou bem mais cheia de vida e caprichando no sotaque, o segundo good-morning.
O silêncio tomou conta da sala e do mundo. A professora caminhava airosa (como diriam os antigos), poderosa (como o diriam os modernos). Andava, pisava, fazia pivôs nos saltos finos.
De repente, a deusa estaciona à frente do birô e, encostando-se nele, joga os cabelos e fala: “Now, I’m going to tell you a short-story about Mark Twain, a famous writer of the nineteenth century”.
Aquilo foi uma verdadeira bomba atômica. Só Deus sabe o que se passou naquelas cabecinhas adolescentes perante a cena hollywoodiana. Enquanto isto, ela levantava mais os ombros, tangia-os para trás junto com os cabelos, sorria (agora maldosamente). Resolveu perguntar: “Quem sabe o que foi que eu disse?”.
Nada. Nada de nada. Uns coçavam o nariz, alguns pigarreavam nervosos, uma moça engasgou-se com a própria saliva, outros pediam a Deus para morrer.
A professora olhava, afundava o olhar em cada aluno, certificava-se sobre o seu total domínio ianque. Suspirou fundo, deu mais um tempo. Depois, como um toureiro, esticou o corpo, jogou os quadris para a frente, lançou um olhar de desprezo, riu zombeteira no canto direito da boca, amolou a língua e disse: “Vou repetir. Now, I’m going to tell you a short-story about Mark Twain, a famous writer of the nineteenth century. Quem sabe o que foi que eu disse?"
Esperei alguém responder. Da primeira fila não dava para saber se meus colegas estavam vivos ou mortos.
Nada. Nada de nada. Necas de pitibiribas. Arrisquei mover um pouco a cabeça para o lado direito, e, depois, para o lado esquerdo.
Quando a mestra rodopiou vitoriosa, aproveitei e dei uma olhadela para o fundo da sala. Os meus colegas pareciam estátuas de sal.
Face a face com ela, criei coragem, levantei o dedo e falei: “Eu sei”.
Eu vi os olhos da onça que Peri enfrentou por Ceci. Vi fogo nas ventas da prima dona. Com a cara de nojo mais expressiva que alguém jamais ousou, a professora, a muito contragosto e porque era sua obrigação, com a voz cheia de erres, rosnou: “Então, traduza”.