Comunidade de espíritos puros
Esse é um lugar muito diferente, especialmente diferente - pensava João Ninguém. Parecia os shoppings que ele tanto gostava de frequentar. Mas com muito mais luz, muito mais limpo e com pessoas muito mais educadas. As mesas, os talheres, os pratos, tudo brilhava numa intensidade assustadora. Melhor ainda, tranquilizadora, pois era esse seu efeito. Era uma luz que causava espanto pelo seu brilho de uma brancura ímpar, mas que acalmava, transmitia uma sensação de felicidade absoluta, de uma paz suprema, de uma certeza de que tudo estava certo, como tinha que ser. A emoção ali também era in finitamente maior que de costume, os cinco sentidos eram infinitamente mais potentes, eles residiam em todo os ser, e haviam outros que não conhecemos ainda. Algumas pessoas que também pareciam iluminadas, a maioria como o brilho de um rubi. Alguns que ali estavam, como o próprio João Ninguém, tinham uma luminosidade mais fraca que parecia mais oriundas do lugar do que deles mesmos. Ele tinha razão, era deveras um lugar especial.
Ninguém tinha uma relação muito especial com esse lugar que é um amontoado de lojas, com uma praça de alimentação geralmente com inúmeros tipos de comidas nada saudáveis e, o que mais o encantava, gente, muita gente caminhando e batendo papo. Gente de todos os tipos, de todas as tribos, como gostam de dizer os pensadores da atualidade. Não que ele tentasse se enturmar com todos os grupos. Era mais do tipo que gostava de observar, aprender com a natureza humana e este tipo de lugar era ideal para isso.
João ninguém estava sonhando. E ele na verdade tinha consciência disso, embora soubesse também que não era totalmente sonho. Esse fenômeno tão misterioso e tão estudado pelos cientistas e filósofos de todos os tempos, sabemos todos, não são totalmente nada. Na maioria das vezes são pedaços de várias coisas da vida física e extrafísica que o nosso inconsciente molda na maneira que podemos assimilar e que nossa sanidade pode suportar. E pensando nisso veio na sua mente um trecho do livro os espíritos em que a espiritualidade disserta sobre a importância dos sonhos: “Pobres homens, que mal conheceis os mais vulgares fenômenos da vida! Julgais-vos muito sábios e as coisas mais comezinhas vos confundem. Nada sabeis responder a estas perguntas que todas as crianças formulam: Que fazemos quando dormimos? Que são os sonhos?” (Nota: trecho extremamente pequena da resposta à questão 402 do Livro dos Espíritos)
João estava com alguém que lhe advertia que deveria aproveitar ao máximo o tempo que lhe fora permitido estar ali, como aprendizado e ao mesmo tempo como oportunidade de levar essa experiência àqueles com os quais ele convivia. Alguém com quem conversava e que ele sentia muito intensamente a presença, mas que não podia ver e isso o incomodava. Quando ele pensou nisso a presença tocou o seu ombro e ele então pode ver que era a figura doce e meiga do Cristo sorrindo para ele. João ficou estupefato e olhou para o lado e viu que um garçom vinha até ele, oferecendo-lhe um cardápio muito vasto, cuja a quantidade de itens era literalmente de perder de vistas. João, instintivamente, olhou para o relógio muito interessante que estava na parede.
Mas João ficou estupefato quando olhou para o rosto do garçom e percebeu que ele também tinha o rosto do Cristo e o que mais lhe confundia era a sensação que eram individualidades diferentes, mas ainda assim ambos tinham os rostos do Cristo. E qual não foi seu espanto quando olhou para todos os que tinham a luminosidade vermelha e percebeu que todos esses eram Cristos também. Cada um exercendo uma função ali, cada um num grau hierárquico, mas ainda assim todos Cristos. Tinha até alguns cristos estagiários em todos os setores daquele shopping.
Foi então que um questionamento interessante veio a sua mente: Aquele que estava ao seu lado era Jesus? Aquele Jesus que veio nos trazer o evangelho há aproximadamente dois mil anos? Alguma daquelas figuras ali tão amorosas, de um amor que saia de dentro deles de forma contínua em direção aos outros, seria Jesus? João percebeu que seus pensamentos eram visíveis a todos os cristos ali presentes, já que todos riram ao mesmo tempo desse seu pensamento. E, enigmaticamente, ele podia sentir que todos eles diziam, sem palavras, que a resposta não era importante.
,E ainda sem palavras, João e o Cristo que o instruía conversaram por horas. Era o sentimento que João tinha ao menos, muito embora os ponteiros do relógio não se mexessem. A verdade é que somente agora João entendeu porque achou o relógio tão distinto dos outros. Esse não tinha ponteiro, embora fosse do tipo analógico. Mas o que João também percebia é que ele recebia muito conhecimento naquele momento e seu estado era cada vez mais venturoso.
Apesar de focado no que seu mentor lhe transmitia podia perceber com seus sentidos aguçados que todos os cristos ali serviam de alguma forma os visitantes. Eram todos muitos gentis e extremamente inteligentes, podendo responder qualquer indagação que lhes fossem feitas. Eram mestres extremamente preocupados com o aprendizado e bem estar de todos os presentes, neófitos ou cristos. Ninguém ali tinha vergonha em servir, pelo contrário e chamavam mais responsabilidades para si do que delegavam, embora fizessem isso como um ato de quem educa.
João de repente acordou na sua casa, em frente a um computador, com a Revista Espírita do ano de 1868 aberta, no mês de fevereiro. Lembrou-se, então, que estava estudando esse capítulo que fala sobre a categoria dos cristos antes de adormecer ou extasiar, ele não sabia definir de pronto. Mas a sensação de estar entre seres tão humildes e amorosos persistia ao ponto de escorrer algumas lágrimas de seus olhos, além de algumas palavras do Cristo que não lhe saia da mente: “instruir-vos. Muito mais será dado aquele que tem”