REI SALOMÃO

Parturiente

Lembremos, agora, da ‘história que ficou para a história’ devido uma situação inusitada, a quem de direito e de fato, tinha o poder de decidir em nome de outrem: duas mães, uma de sangue outra de afeto. Entre ambas uma criança recém-nascida à espera, inconsciente, de um lar, mas antes, a mama do leite materno.

Estava essa, envolvida numa rodilha de pano, carregada por um dos empregados do patriarca. Assim não haveria disputa desleal entre as mamães, porquanto a criancinha podia dormir o seu soninho de anjo-candura. Precisava de um bom bainho pois a viagem até ali enchera-lhe de pó. Quanto a fraldas e acessórios não haviam recursos para isso.

Nunca o reino [daquela época] havia visto ou vivido algo semelhante. Tampouco o astuto Rei Salomão, sempre em alto respaldar, sentado no seu trono de pedra jaspe polida. As duas senhoras, até então desconhecidas, naquele salão foram, por hora, anunciadas para estarem à presença do Nobre. Pareciam inconformadas com alguma coisa, travando um duelo entre si, difícil de ser contido numa simples palavra ou gesto casual.

Trajavam quase o mesmo tipo de roupa, dando a aparência de ‘pobretonas' em constante desalinho. Na realidade não possuíam posses, nem economia de moedas, dispondo, unicamente, de pequeno abrigo entendido como ‘domicílio’. Nem esta ou aquela possuíam emprego fixo, valendo-se de pequenos serviços da labuta. Segundo uma, quando indagada, sobre relações com a criança – onde e como a conheceu – narrou terem feito o parto juntas [a dita companheira], na mesma casa de palinha, mas das duas, restou apenas uma, para agonia daquela outra.

Não sabiam, ao certo, se havia uma terceira pessoa no quarto-cômodo, no entanto, o sumiço do filho era evidente. Tinham a intenção de descobrirem, mesmo sob duras penas, qual destas pariu o varãozinho que não podia ter duas mães ao mesmo tempo. Se deixasse a cargo delas, o ato de decidirem o destino do pequerrucho, se matariam em tapas, unhadas, mordidas e pancadas. Por sorte ou merecimento, ousaram procurar um sábio para resolver essa causa incomum.

O desassossego estava escrito ou estampado no rosto daquelas humildes trabalhadoras que, para alguns, seriam mulheres-dama sem partido.

Postas de pé, diante do rei, tiveram a oportunidade de falarem o porquê de tanto nervosismo na ânsia de uma solução que pudesse acabar de uma vez por todas com tamanha contenda.

Enquanto isso, aquele que figurava como um juiz observava, atentamente, o comportamento das pobres camponesas. Quem tinha mais equilíbrio emocional?! Depois de ouvia-las, o Rei Salomão, de súbito, ordenou em voz alta: -"Que o bebê seja cortado ao meio, e cada uma das se dizem mães receberão a metade do vosso corpo". Traga a espada [acrescentou]. Antes de terminar a fala, uma das mulheres, em nítido desespero, clamou pela vida da criança, desejosa de tê-la para si, graúda, saudável e inteira. Caluda! Ele apenas queria testar as duas varoas para que algo diferente pudesse ‘brotar' naquele duplo conflito.

Por outro lado a companheira, de modo esguio, relutou em concordar a infeliz, propondo que, nesse caso, ninguém recebesse parte alguma. O sábio percebera a aflição da primeira mulher e entendeu, a bem da verdade, ser ela a mãe, face ao carinho demostrado na sua voz, olhar. Ficou, assim, decidido: essa uma, seria contemplada com a guarda definitiva do menino, quiçá a sua preocupação angélica-maternal. A genitora fora conduzida para fora do palácio já com sua cria nos braços. De bom grado encerrou-se ali a breve audiência ocorrida no juizado de pequenas causas.

Tal decisão correu o mundo em boatos e rumores que agraciaram a atuação de vossa alteza, o Rei.

Thiago Valeriano Braga

Thi Braga
Enviado por Thi Braga em 02/06/2021
Reeditado em 04/06/2021
Código do texto: T7269555
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