PROFESSORA JOSEFINA
A minha primeira professora era proprietária de um Educandário. Lá mesmo morava. A escola, apenas a sala de visitas. As carteiras eram banquetas , fazendo par com as cadeiras da sala de jantar, e mais uns tamboretes. O piso da sala e de todas as partes da casa até onde os nossos olhos abelhudos podiam voar, era de barro, bem vermelhinho. Especialmente às segundas-feiras por causa da lavagem do domingo.
Às sete horas da manhã, pontualmente, as crianças sentadas, quietas, lápis, papel e livro de leitura a postos esperavam a entrada triunfal da mestra. Vestida numa saia preta até o meio da canela, blusa de cambraia bordada, muito bem passada e engomada, abotoada até o pescoço e cheia de bordadinhos delicados. Os sapatos de Josefina eram fechados, baixinhos, limpíssimos. Os cabelos da professora repartidos do lado direito, dois grampos de cada lado acomodavam a única rebeldia e aspereza daquela criatura. O rosto empoado a tornava acinzentada. Usava um relógio de pulso. Só. Os livros sobre a mesinha. Caminhava sem arrastar os pés. Emanava respeitabilidade, sapiência. O riso simples, corretíssima. Sentava com as pernas bem juntinhas. Cumprimentava os alunos como se fossem príncipes. Levantava-se. Todos já entendiam: hora de cantar “Ouviram do Ipiranga às margens plácidas/de um povo heróico o brado retumbante”. Retumbava a voz do menino mais envolvido. Josefina , em tom baixo, mas audível. Os olhos negros percorriam a saleta. Verificava, sem constrangimentos, se todos acompanhavam. Murilo abria e fechava a boca, fingindo e correndo atrás do “penhor dessa igualdade...” Os alunos, tesos, apalermados diante de tanta riqueza, pujança, resplandecência, justiça, luta e morte. Ainda bem que, assim gigante, a pátria era uma mãe gentil.
Chamada pausada, livro de leitura e tabuada. Era uma mãe gentil, na tabuada, a minha querida professora.
Uma coisa me alegra, Josefina, é fazer justiça, resgatar você da ingratidão histórico-pedagógica.
março de 2005