O corpo feminino, a beleza e a reflexão filosófica
Quando se consulta sites especializados sobre estética feminina podemos obter as seguintes informações. Pesquisas recentes feitas pela ISAPS (Sociedade Internacional de Cirurgia Plástica Estética), divulgada no ano de 2019, revelam que só no ano de 2018 o Brasil registrou mais de 1 milhão de cirurgias plásticas e mais de 969 mil procedimentos estéticos não cirúrgicos. Estes dados colocam o Brasil na condição de campeão mundial entre os países que mais realizam procedimentos estéticos no mundo. “Entre as cirurgias mais procuradas, destacam-se a prótese de silicone – procedimento que consiste em implantar próteses para aumentar mamas pequenas, flácidas ou com alguma deformação. Ainda de acordo com a pesquisa, outra intervenção que cai no gosto das brasileiras é a lipoaspiração – cirurgia indicada para remover acúmulos de gordura localizadas nas áreas do abdome, costas, coxas, braços e cintura. Este procedimento consiste em aspirar a gordura com o auxilio de cânulas ligadas a um aparelho a vácuo, o que auxilia muito no processo de modelagem do corpo”, diz este site de pesquisa. Parece que a liberdade da mulher no espaço público seja no que diz respeito ao seu comprometimento com o trabalho profissional, político e intelectual não fez declinar de modo algum às preocupações estéticas. Ao contrário, parece que toda essa autonomia econômica e política dos dias atuais exigem mais ainda das mulheres tal preocupação com jovialidade e beleza com o seu corpo. Toda energia feminina parece se concentrar nesta busca de um corpo ideal bem distante do seu corpo real. Ser bem-sucedida economicamente não diminuiu em nada a preocupação da mulher com sua beleza, tal sucesso parece impulsioná-la mais ainda a buscar um projeto de beleza bem distante de sua realidade. Seu corpo vem sofrendo procedimento cirúrgico de toda ordem na busca deste corpo ideal e sedutor. O filósofo francês, Gilles Lipovestsky, mesmo que tendo uma posição pessimista, talvez tenha razão, quando afirma que homens e mulheres “não têm as mesmas armas para ganhar no jogo da sedução. Desde eras remotas, os homens, para conquistar as mulheres, têm à sua disposição múltiplos meios: riqueza, posição, prestígio, força, inteligência, poder, humor. Esse não é o caso das mulheres, cuja a “arma” principal sempre foi a aparência corporal". Nos homens, diz o filósofo, "o poder, a notoriedade ou dinheiro podem substituir um físico pouco atrativo; nas mulheres, é forçoso reconhecer que não é absolutamente assim. A fortuna não chega a compensar o desfavor físico, o prestígio de uma mulher não a torna desejável nem sedutora. O importante a sublinhar é que essa desigualdade de sedução parece permanecer profundamente estável. Ainda hoje, o que se vê são homens idosos casados com mulheres jovens, não o inverso; e, hoje como ontem, os homens esperam e valorizam a beleza de sua parceira mais do que as mulheres valorizam a de seus parceiros”, afirma Gilles Lipovestsky. As relações igualitárias entre homens e mulheres no mundo atual parece não ter mudado muito esse regime assimétrico de sedução entre os dois sexos; e tudo indica que não há nenhum sinal de mudança desta tendência no mundo contemporâneo. Gilles Lipovestsky ainda afirma que “os homens são seduzidos antes de tudo pela aparência das mulheres, e é por isso que estas conferem à sua beleza uma importância particular”. Até mesmo nas democracias mais revolucionárias este tema impõe seus próprios limites quando se trata de padrões culturais de sedução relacionados aos dois sexos. O filósofo finaliza de forma enfática e pessimista que “a revolução democrática atinge aqui um de seus limites. Amanhã a valorização da beleza não será semelhante no masculino e no feminino: a espiral dos valores igualitários não tem nenhuma possibilidade de fazer desaparecer a desigualdade sexual dos papéis estéticos”. Estamos diante de um dilema que as ciências humanas e a literatura vêm contribuindo para a problematização, mas sem nenhuma solução a vista. Espero que o filósofo francês com seu mau humor pessimista esteja errado em suas reflexões. Mas me parece que suas reflexões continuam tendo alguma validade nos dias atuais.