PERSONAGENS DA CIDADE

Nessa semana duas pessoas bastante conhecidas em Charqueadas se foram: o prefeito Anápio e o Maromba. A figura política e a figura popular, dois seres que gravaram sua passagem por esse plano físico na história e no imaginário da cidade. Por isso, em meio a tantos óbitos de pessoas conhecidas nesse tempo de pandemia, falo especificamente sobre o deles, hoje. Como não o fazer? A obrigação do cronista para com o presente é incontornável, através de sua subjetividade a alcançar eco em seus leitores, geralmente parceiros de espaço-tempo.

Anápio Ferreira foi o primeiro prefeito da cidade e isso já coloca seu nome na história de Charqueadas. Administrou-a duas vezes e concorreu outras tantas ao cargo. "O Anápio tá voltando, ele tem todo o direito" - quem não lembra deste jingle? Foi um cidadão líder, que muito obrou pela cidade. Não é o caso de mencionar suas realizações aqui, pois os charqueadenses - a quem essa crônica é especialmente dirigida - bem as sabem. Lembro do prefeito Anápio - e de seu bigodão - pela primeira vez na campanha de 1982 e, se votasse naquela ocasião, teria sido nele. Depois não mais foi o caso de eu optar por sua candidatura, nas eleições seguintes, quando já podia exercer plenamente minha cidadania. Isso até 2012, quando, enfim, dei-lhe o voto, teclando o 14. Buenas, nunca votei no Zé Manoel ou no Baratão - embora respeitasse a trajetória de ambos -, mas no Anápio, dos caras da antiga da cidade, sim. Parece bobagem escrever isso agora, mas foi o que eu pensei na época, que votava num "histórico" e realizava o desejo pretérito do Joãozinho.

Maromba era um tipo popular da cidade, que circulava pelo centro. Muito o via por ali, em tempos pré-pandemia, quando eu lanchava no Paredão e observava a fauna citadina pelas paredes de vidro do estabelecimento - ah, como sinto falta desse pequeno prazer. Ele falava sozinho, com seu (s) amigo (s) imaginário (s), fruto da disfunção que possuía. Conhecido por todos, integrava o imaginário popular. Curtia observar o Maromba, com o seu jeito diferente, por ali, interagindo livremente e de boa com seus conterrâneos. O espaço da urbe é democrático, para todos, e dá gosto ver isso no cotidiano: a comunidade viva respirando o mesmo ar, compartihando-o.

O prefeito Anápio era o último ainda vivo dos primeiros prefeitos da cidade, junto com os acima mencionados Zé Manoel e Baratão. Ao saber de sua passagem, recordei de outros líderes politicos da história recente, como Afre Rodrigues, Nelci de Moraes, Enedina Laranjeira e outros que por aqui passaram e deixaram sua marca. A vida é isso, uma passagem, e nossos passos marcados no chão podem servir de referência para o caminho de muitos, frutificando. Tenho absoluta certeza de que é o caso do prefeito Anápio.

O Maromba remete a uma tradição de pessoas queridas pela comunidade, populares por sua singularidade ou suposta excentricidade no comportamento social, como o saudoso Cabeça - e seu indefectível brado "Car@#&!" -, a pequena Flordelícia e sua sombrinha, o Beto da Colônia, o Valter da Cohab e alguns outros, do presente, do passado recente e de antanho, como os que o historiador Saldino Pires cita em sua Monografia (1986) e em Histórias do Povo (2012): João Gérson, Amaro Guampa, Priminga & Alfredinho, Zé Doceiro, Dona Adeli, Nelson Cachaça, Algoz da Esquerda, Darci Florzinha, Darci Cachaça, Cabelau, Sidenei, Oscar, Pepeta e Santo Amaro. 

Todos nós, filhos iguais perante Deus, viemos do pó e ao pó retornaremos, é a sina da nossa natureza física. Que Ele os tenha junto a si, no outro mundo. A nós, nesse, fica a lembrança.