MEU CANTO MULHER

Todo homem tem seu pedaço mulher escondido em algum canto dentro de si. Esse lugar permanece calado ao longo do tempo, como vulcão desativado, como brinquedo quebrado que parece nunca mais voltar à vida. Mas quando menos espera, ele acorda, se espreguiça e vem à tona esfomeado e louco pra estrear com todo brilho, com todo vigor. Assim acaba fazendo um estrago danado, bagunçando o coreto e causando o maior rebuliço. Vez por outra, convoco meu lado mulher pra luta, pra devanear, pra mostrar seu viço. E me surpreendo com aquele bailado, com a textura, com seu calejado caminhar. Isso até me assusta um pouco, pois percebo que sempre mantive essa criatura trancafiada dentro de mim. Mesmo a tendo negado e até desprezado, a poção fêmea nunca deixou de contaminar meus passos e nem de influenciar no jeito como enxergava as coisas. Nunca se fez de rogada diante do pouco caso com que a tratei. Nunca ameaçou se vingar por não trazê-la à ribalta, por não reconhecer seu cheiro. Muito pelo contrário. O meu canto mulher, sábio como o maior dos sábios, se contentava em ficar na coxia dos dias, apenas dando sutis pitacos nas ideias, como aquele tempero sutil que não interfere no gosto original do prato. Talvez seja justamente por essa coadjuvante participação que fez prevalecer seu lugar de protagonista, de general, de uma espécie de Deus. Meu lado mulher, quem sabe, um dia vai pegar as rédeas do show e se espalhar por todos poros, feito praga ensandecida, desencadeando um estouro de manada estarrecedor. Vai explodir a barragem dos meus códigos, princípios, crenças, de tudo. Então só me restará a saída de viver o papel que me foi destinado, com todos tentáculos maravilhosos que compõem seu chão.