Carta sobre as flores mais belas
Não lamentes serem os versos
saberes tão frágeis
as flores mais belas são as que se colhem
quando ainda se ignora a morte
(Tolentino de Mendonça)
saberes tão frágeis
as flores mais belas são as que se colhem
quando ainda se ignora a morte
(Tolentino de Mendonça)
Precisei ler o poema até o fim para, enfim, descobrir um consolo para aquelas vidas que já se foram – as que conheci, ou não; as que sepultei, ou não; as que também perdi, ou não. Não importam quais, a verdade é que as flores mais belas são as que se colhem/ quando ainda se ignora a morte.
Sejamos sinceros: as homenagens póstumas de pouco servem. Fazem o papel de alívio de consciência, de sublimação da dor, de liturgia pro forma, de gratidão atrasada. As flores mais belas são as que se colhem/ quando ainda se ignora a morte. O que permanece, após os funerais, é o perfume do que foi real, igual aquele que foi despejado em Jesus, como antessala do seu sepultamento, por Maria, em Bethânia. La muerte, sem deixar de ser dolorida, absurda talvez, também pode ser inebriada pela fragrância das emoções experimentas quando ainda se ignora a morte. Onde as encontramos? Infinitos são os seus lugares. Ao final de cada dia lado a lado, após um encontro – inesperado ou não –, durante um caminho percorrido juntos, terminada uma conversa prazerosa... É em momentos como estes que se recolhe nos odres das memórias felizes certos cheiros que perfumam – ou perfumarão – o dia da morte e os dias depois dela.
Na vida, o drama dos dramas acaba por ser essa finitude que nos permeia, esse limite que nos deixa impotentes. Somos um corpo ferido pelo fim. Mas se depois dele, o mistério, antes de si, as flores mais belas. Talvez nosso erro seja o de ignorarmos que os bons momentos não duram para sempre, que alguém será levado pela morte antes, que a sentença até que a morte nos separe é para todos. As flores mais belas são plantadas em vida, quisera também recolhidas em vida e, oferta do tempo, enfeitam a morte.
Mas saiba você, prezado leitor, atenciosa leitora, que não estou falando para depois da partida. A reflexão é para nos apressar antes. É com o intuito de despertar para o agora. Penso em quantos pequenos momentos são possíveis serem recolhidos em cada hoje. Que ramalhete colorido e perfumado parentes, amigos, desconhecidos e outros tantos nos entregam dia após dia, ramalhete feito do saldo daquilo que encontramos ao longo do percurso. Ele é composto do sabor das presenças, da alegria dos encontros, das exigências dos desprazeres, dos limites experimentados, das delicadezas acompanhadas de sorrisos, das dores que pudemos tocar, duma oportunidade perdida, de outra aproveitada, da falta que fizeram os ausentes, dos dizeres e dos silêncios de cada momento... e por aí vai... Amanhã será outro, e depois outro e outro... Buquês e mais buquês! Afinal, as flores mais belas são as que se colhem/ quando ainda se ignora a morte.