OS MENDIGOS
Não sei que canção ele cantava. Sei que era bonita e triste. Triste como o cego que desconfiava da beleza das manhãs. “Uma esmola pro ceguinho, pelo santo amor de Deus”. Sacudia a cuia seca de queijo do reino para fazer saltitar as moedas. “Só dou esmolas a cegos e aleijados. Tome, minha filha, vá levar”.
O toc-toc do cacete no batente da casa tinha uma tradução: é o velhinho de chapéu de palha, pedindo esmolas. Os moleques gritavam e se escondiam: “Quiabo duro!” O velhinho ficava furioso e corria desesperado à cata dos ofensores.
Mais dois cegos batiam às portas: o velhinho Terto do acordeão e um senhor alto e forte que usava uma bengala. A fama de Terto era a de possuir casas de aluguel e terrenos. Pedia por vício. O outro, cara fechada, quando dobrava a esquina, jogava no meio da rua os alimentos que recebia. D. Dalva descobriu e parou de dar. Correu a notícia da descoberta de um colchão cheio de dinheiro, dois dias depois do enterro.
Havia também uma velhinha que pedia “auxílio para o santo” dentro de uma capelinha portátil. Meu pai lamentava a sorte do santo.
“A porta da Igreja São Salvador ficava uma senhorinha. O rosto dela deformado cheio de bolotas, a perna doente, enrolada em gaze. Andava arrumadinha, era gentil e vaidosa. Dentro da igreja, sentava-se sempre no mesmo banco a “velha do santinho”, uma senhora negra, vestida sempre de azul e branco, limpa e engomada. Preferia vender os santinhos impressos pelos centavos que os mesquinhos quisessem pagar. O rosto da vendedora era de santa preta, filha ou irmã de São Bendito, aquele num altarzinho na parede do fundo da igreja, lugar de preto, mesmo sendo santo.
Deu no rádio: A velhinha do santinho foi encontrada morta. Fora estuprada, tirada a sua santa virgindade por play-boys que lhe arrancaram os pêlos pubianos com uma pinça de modelar sobrancelhas.
Aju, 13/03/2005 – Verão: 23h35