"Sinais na Janela", luz na Pandemia

“Eu sou eu e minha circunstância, se não a salvo não me salvo” (José Ortega y Gasset, filósofo espanhol)

“No tédio do isolamento, qualquer coisa é muita coisa” (Maíra Santiago, prisioneira da Pandemia)

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Samuel e Karminha estão perdidos numa noite de Quarentena, na Barra Funda, bairro da maior cidade da América do Sul. Uma noite num apartamento pequeno não é nada, mas muitas noites num apartamento pequeno e moradores pressionados pela Pandemia podem levar qualquer um ao limite.

São Paulo tem seus parques, shoppings, teatros, cinemas, artistas por todo lado, porém, limitados pelas medidas restritivas da Pandemia, Samuel e Karminha não podem fazer muito por si mesmos. Como a situação dá muito tempo livre, dão asas à criatividade. Daí sai um sistema para aproximar moradores dos prédios em volta. Samuel e Karminha talvez conheçam Ortega y Gasset, talvez não. Mas sabem intuitivamente que somos determinados pelas proximidades, ou seja, pelas circunstâncias e nelas temos que achar soluções. Pois é o que Samuel engenha: começa a observar os vizinhos a partir da janela do seu apartamento. Observa um, outro, outro, a curiosidade ataca na Pandemia. Temos tão pouco a fazer que qualquer novidade é um achado.

Samuel está num 12° andar. Imagina isso: como não tem mar nem garrafa para enviar uma mensagem ao desconhecido, põe um cartaz na janela: INSTA. Passam dias, ninguém responde.

Maíra e Filipe, também no 12° andar, percebem algo desenhado/escrito naquela janela. No princípio, ficam desconfiados. O que pode ser? Maíra, querendo desvendar o mistério, rabisca na sua janela: ESCREVE MAIOR. Logo fazem o contato, conhecem-se no jardim do condomínio e, dias depois, estão se comunicando no Instagram. A iniciativa de Samuel, gerada pela ansiedade do momento presente, acaba fazendo vizinhos se aproximarem e tornar menos angustiante a vida na Quarentena. De sua iniciativa, apoiada por Maíra e Filipe, logo surge o grupo de WhatsApp “Sinais na Janela”, que passa a encontrar-se no jardim do condomínio, respeitando os protocolos sanitários. Em poucos dias, novas ideias aparecem:

- Vamos tomar cerveja na janela?

E tomam, fazendo sinais com mãos e braços ou mandando código “Morse” pelo celular.

Outro dia, Maíra participa de um “brunch a distância”. Amigos de Brasília, São Paulo e Porto Velho se encontram e trocam figurinhas pelo celular.

E Maiara acrescenta:

- Meu pai inventou o "Boteco Virtual". Senta no sofá em casa, faz chamada de vídeo pelo WhatsApp e toma cerveja com um primo de Palmas –TO e um amigo de Catalão, GO, como se estivessem num boteco presencial. Mas a conversa não precisa necessariamente ser regada a álcool. Já com amigo de Maravilhas, MG, abstêmio atualmente, o combustível é a Literatura. Embebedam-se de Machado de Assis, Dante Alighieri, Carlos Drummond de Andrade, Cora Coralina e outros/as. Da conversa, rolam muitas ideias para os contos e crônicas de um e trovas e sonetos de outro. O próximo passo é criar a “live no Boteco” com mais participantes e temas variados.

De outras turmas pipocam outras ideias. Os torcedores de futebol, por exemplo. Pois não é que já inventaram a “ Home Arena”? Combinam de ajuntar-se numa plataforma qualquer e assistirem a jogos decisivos do campeonato paulista. Mas duvido se já não há mineiros e cariocas pensando nisso? Vamos fazer desse limão uma limonada, galera.

Fica aí, portanto, pelo menos um crédito para a Pandemia: faz com que vizinhos que jamais se conheceriam numa cidade grande, em plena “normalidade”, se encontrem e iniciem uma amizade que desafoga a pressão deste momento tenebroso. É também possível que seja amizade duradoura e dure até depois disso tudo, por que não? Vivendo, sofrendo e aprendendo. Parabéns, “Sinais na Janela”!

William Santiago
Enviado por William Santiago em 13/04/2021
Reeditado em 25/06/2022
Código do texto: T7231433
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