Carta sobre uma oportunidade que nunca termina
Dizer-te é inclinar-me sobre o silêncio
(Tolentino de Mendonça)
(Tolentino de Mendonça)
Sempre há outra oportunidade – é uma espécie de lei da vida. E a poesia é uma oportunidade, diferente das demais. É essa outra chance que temos de voltar a viver, de olhar de novo. Refiro-me a toda poesia escondida no que existe. Entendo-a como possibilidade de redescoberta, de prazer, de um experimento quase indizível, de algo que nos eleva. Trata-se duma riqueza in-valorável que acumulamos em algum lugar interior. É aquela extensão imensurável que certa realidade alcança e que cabe apenas dentro – da alma, do olhar, do sentir. É preciso, claro, despertar-se e exercitar-se para a sua arte, para o seu dom.
Em tudo há poesia, embora, há os que têm olhos e não veem, têm coração e não sentem, estão vivos, mas, não respiram desse oxigênio. Não são todos que conseguem extrair a poesia que há numa criança, numa canção, na noite com suas sombras, naquela casa abandonada e sua varanda, no olhar que se revela triste, nos versos que o poeta compõe, no prazer dos corpos se entregando, nas mãos que conduzem, em pés calejados, nos silêncios e nos soluços, nos ventos e nos perfumes, na delicadeza de um pincel, no minúsculo detalhe da obra, numa saudade, no cortejo fúnebre, no túmulo vazio...
Ela estava chorando e havia poesia em suas lágrimas, porque nelas a vida era revisitada: lembranças, dores, sorrisos, medos, encontros, palavras... Até que surgiu o seu nome: Maria. Pergunto-me sobre qual seria a poesia das poesias. Acaso não seria nosso nome? Nele está contido tudo. Nosso nome nos define, pois é mais que um nome, é uma história. E toda história é poética. Para nos dizer por completo basta pronunciar um nome. Nada lhe escapa do que somos. Único, irrepetível, original, sagrado. Moramos dentro do nosso nome. Quando escutou de Sua boca o seu nome, secaram-lhe as lágrimas, brotou-lhe um sorriso, pulsou mais forte o coração. Reconheceu-O. Reconheceu-se. Concomitante. Tem razão Tolentino:
Por Ti a nossa face se descobre
em alegria
e os nossos olhos parecem feitos
de risos
É verdade que recolhes nossos dias
quando é outono
mas a Tua palavra
é o fio de prata
que guia as folhas
por entre o vento
em alegria
e os nossos olhos parecem feitos
de risos
É verdade que recolhes nossos dias
quando é outono
mas a Tua palavra
é o fio de prata
que guia as folhas
por entre o vento