A lição de vida de Paulo César
Ele nunca foi muito sociável, mas aprendeu com o auxílio do tempo... não, pera! O tempo é a coisa mais democrática que existe, vinte e quatro horas para cada pessoa, diria o sistemático Paulo César, personagem central desta nossa história. A verdade é que ele quis aprender, quis se melhorar e, apesar das críticas, focou em si mesmo e ouviu Sinatra: fez do seu jeito. Fez do seu jeito no melhor sentido do termo, seguiu sua consciência e não teve medo de errar.
Não era uma pessoa ruim, mas era extremamente rígido quanto ao certo e ao errado. Conceito que ele não abandonou, mas aprimorou no decorrer da sua estadia aqui nesse plano. Eu, João Ninguém da Silva tive a satisfação de trabalhar e conviver no âmbito pessoal com essa criatura que foi uma das mais controversas que já conheci.
O prazer não expressa a realidade dos fatos no início da nossa convivência. Ele sempre achou que seu jeito de fazer as coisas era o mais correto. Pode até parecer uma afirmação absurda essa minha, alguém pode pensar assim, mas alguém faz alguma coisa pensando que seu jeito está errado? Vamos melhorar isso então, Paulo César era uma pessoa que não admitia a possibilidade de outro ponto de vista. E ele deixava isso bem claro.
Tenho que confessar que eu também era alguém de convicções muito fortes. E vamos combinar que isso é apenas um eufemismo para pessoas que não admitem outro ponto de vista. Eu tinha toda a certeza que fazia o certo, mas percebia às vezes, pelo desenrolar da minha vida, que não era bem assim. Depois que conheci o espiritismo entendi, de uma forma que me confortou muito, que estamos muito mais próximos do ponto de partida do que do ponto de chegada na linha do tempo da evolução.
E fui, então, desenvolvendo a famosa e tão necessária inteligência emocional, que nos permite dizer a verdade sem grosserias. E isso me permitia conviver pacificamente com esse colega de trabalho. Éramos programadores seniores, não havia hierarquia entre nós. O que tornava ainda mais necessária essa boa convivência
Não posso deixar de negar que ele tinha uma grande inteligência racional e que também um grande coração. Não era demasiado apegado aos bens materiais e bem organizado financeiramente. Eu tinha algo em comum com ele, não era apegado a bens materiais em excesso. Esse foi outro ajuste que tive que fazer na vida, era pródigo no começo da juventude. Mas tudo acabou bem, ou tudo vai bem, já que ainda não acabou. Não para mim, Paulo César foi enterrado há seis semanas devido a complicações de covid 19, aos 65 anos. Exatamente como ele queria, segundo me informou sua esposa Manuela. Um velório com poucas pessoas.
Nós estávamos numa reunião mediúnica esse dia quem apareceu foi Carlos César, irmão mais novo de Paulo, dois anos na verdade. Ele desencarnou um ano antes devido também a complicações de covid.
- Como vai, meu irmão. Disse o doutrinador.
- Vou indo, amigo. Não precisa me chamar de irmão, pois você não chama a todos de irmãos fora da casa espírita. Não mereço tratamento diferenciado e não considero isso honesto de sua pare também, devo confessar. Meu nome é Carlos César e trabalhei no hospital como chefe da radiologia com o perfume João Ninguém.
Eu, João Ninguém, que trabalhei com Carlos no mesmo período que trabalhei com seu irmão, embora em áreas diferentes, já que Carlos era Chefe da Radiologia. Extremamente educado no pouco tempo que passávamos juntos, que era um período bem curto mesmo. E nunca procurei saber mais nada sobre ele. Confesso que a mensagem me assustou a ponto de considerar não ser Carlos César.
Mas a explicação veio:
- Eu não quero desrespeitar ninguém aqui, doutrinador. Mas fui uma pessoa que sempre primou pela aparência e fiz de tudo para evitar o conflito. Não porque fosse uma boa pessoa, mas porque era inteligente e almejava grandes conquistas materiais. E as obtive, mas foi toda a riqueza que amontei nessa vida, cujo objetivo é outro. Cujo objetivo é amar, é ao menos começar a aprender essa difícil ciência, que consiste em ver e tratar a todos como iguais. É ser útil sem interesses ocultos, é ser probo. É enfrentar injustiças em favor dos injustiçados ainda que os prejudicados sejamos nós. E isso eu nunca fiz.
Quando desencarnei não tinha amigos no mundo espiritual, porque todos aqueles que prejudiquei ou tinham raiva de mim ou não tinha motivos para me ajudar. E é da lei que Deus ajude as suas criaturas, as quais ele ama igualmente, através das criaturas. Lei do merecimento.
Todos então percebemos qual era o objetivo daquela manifestação e o doutrinador agradeceu a lição. Todos estávamos emocionados, mas eu instintivamente tomei a liberdade de perguntar:
- Qual foi o merecimento que te trouxe aqui, Carlos César?
Ele respondeu sorrindo:
- Não foi o meu, com certeza. Embora eu tenha reconhecido os meus erros relativamente rápido, o remorso me consumia e minha mente estava em grande desequilíbrio. Eu apenas chorava e era perseguido por aqueles que prejudiquei e que como eu, ainda não estavam em boas condições.
Mas foi quando apareceu meu irmão, sorridente e bem acompanhando pelos trabalhadores da Luz. Eu apenas desmaiei e acordei num hospital aqui no mundo espiritual, sendo informado depois de algum tempo por um enfermeiro que meu irmão tinha uma grande cota de bônus espiritual, que ele usou em meu favor. Ele segue estudando e buscando melhorar-se. Disse, inclusive, que você tinha razão, e pediu para te agradecer pelos vinte anos que trabalharam juntos e por ter passado sutilmente os conceitos espíritas para ele.
- Em que eu tinha razão, Carlos? Paulo foi específico? A curiosidade me consumiu, confesso.
- Paulo disse que a questão 165 do livro dos espíritos que você gostava de citar faz todo sentido agora. Ter o conhecimento espírita ajuda muito no momento da desencarnação e na duração da perturbação espiritual que segue esse momento. Mas o bem que pratiquemos desinteressadamente tem maior influência.
Eu apenas pensava: Grande Paulo César, obrigado pela confirmação. Não é o rótulo, é o conteúdo.