EQUILIBRISTA FELIZ
Ao mesmo tempo em que empunho a centelha divina, me vejo como criatura falha, cheia de rebarbas e armadilhas. Essa dualidade faz da minha vida um caminho fascinante. Percebo nos meus pensamentos tantos amontoados de sandices que se escoram em certezas firmes como a montanha e tontas como andarilhos bêbados. Os medos persistem, invictos, nas profundezas do meu ser, como fantasmas perenes que nunca descansam, nunca desmoronam. A fé que digo portar é soberana nas suas bandeiras e disparates. O amor que sinto colocar à tona é repleto de vãos ferozes que desatam os gomos daquelas contradições solenes que insisto em não aposentar. Sou produto de genes robustos, destemidos, que se misturam ao pó do meu entorno, perfazendo assim uma miscelânea disforme e poderosa. Me fiz guerreiro enfrentando as próprias feras que percorriam todas veias, cada embate fez de mim um sobrevivente fugaz e irrequieto. Nessa toada fui deixando o meu envelhecer florir, sem podar nenhum atalho ou porão descoberto. Quando olho pra o que foi, pouco fico sentido, arrependido ou revoltado. Nas pegadas que leguei ao longo do chão, resistem marcas indeléveis de uma história em que prevalecem calos fartos, resolutos e suados. Sou equilibrista feliz acarinhando esse jeito de respirar, de sonhar, de nunca jogar a toalha, por mais cruel que tenha sido o dilúvio. Nunca arranhei o disco propositalmente, aplaudo as derrapadas com "bravos" efusivos. Quando a morte vier cortejar, terei uma missão cumprida, exaustivamente dedilhada e apaixonadamente cerzida, sol após sol.