Os 150 anos do rico doutor pobre

Ele nasceu rico, de uma família aristocrata italiana. Seu nome de nobre era mais comprido do que esperança de pobre: Afonso Maria Francisco Cosme Damião Miguel Ângelo Gaspar de Ligório. E durante a vida foi doutor duas vezes, uma quando rico, outra quando pobre, por escolha própria. Mazáááá galo!

Menino talentoso, educado nas artes da literatura, da música e plásticas, aos 12 anos Afonso Maria foi enviado para estudar e virou advogado aos 16, com doutorado em direito civil e canônico. Mazááá Galo, com G maiúsculo! Todavia, não se sentia feliz com a sorte que muitos queriam ter. Escreveu carta para um amigo dizendo isso. O problema foi o seu pai, quando soube que o filho, já nos vinte e sete anos, queria ser padre, no ano de 1723. Não aceitou de jeito algum. Tiveram de se aconselhar com o pároco local, a fim de chegar a um terno familiar. O acordo foi que ele estudaria no seminário, mas residiria na sua casa. Seu pai achou que, assim, poderia dissuadi-lo. Achou errado.

Aos 30 anos, em 21 de dezembro de 1726, Afonso Maria foi ordenado padre, abdicou da riqueza e foi obrar junto aos mendigos e marginais de Nápoles, para desgosto do pai terreno e gáudio do Pai Eterno. Em 1732 criou a Congregação do Santissimo Redentor, após uma religiosa lhe falar que havia sido a ela revelado, num sonho, que essa era a missão que Deus lhe dera. Para encurtar uma história pra lá de longa, Ligório virou bispo e essa Congregação está espalhada por todo o mundo até hoje, inclusive em quase todo o Brasil, onde é a que mantém o Santuário do Divino Pai Eterno, em Goiás, e a TV Pai Eterno. Mas não é por isso que eu redijo esse texto.

Como escrevi acima, Afonso Maria era versado nas artes e, como religioso, exerceu-as fortemente, sobretudo seus dons literários, voltados para questões divinas, obviamente. Escreveu muito e escreveu bem: 120 obras versando sobre teologia e espiritualidade, que foram traduzidas para 86 línguas (1) em 21,.500 edições! Ligório não era apenas Galo, mas sim um baita Galo Cinza! De sua vasta produção intelectual podemos destacar a importante Teologia Moral onde, dentre outras coisas, trabalhou o "equiprobabilismo", que fica num meio termo entre as práticas de caráter rigoroso ou desleixadas, eis que vê as duas como inadequadas a uma expressão religiosa ideal.

Pois é certo que um homem com tais predicados, estoicismo e vocação para o trabalho misericordioso viraria santo, e assim foi: Santo Afonso Maria de Ligório, canonizado em 26 de maio de 1839 pelo papa Gregório XVI, o santo da pobreza e da simplicidade. Mas santos reconhecidos pela Igreja Católica milhares o são, e Afonso Maria era Galo Cinza demais para ficar só nisso. Em 23 de dezembro de 1871 o papa Pio XI o declarou Doutor da Igreja, e isso apenas 36 pessoas o foram em quase dois mil anos de catolicismo.

Então ontem comemorou-se os 150 anos do segundo doutorado de Afonso Maria, o religioso e que será eterno enquanto dure a Igreja e, desconfio, o mundo. Impossível deixar de escrever sobre uma pessoa dessas. Mazáááá Galo Cinza! Galíssimo!


(1) - Algumas fontes mencionam 111 obras traduzidas para 72 idiomas. Um grande feito, de qualquer forma.