Copenhague Zero Grau - Carta de Nordlândia
Escrevo de Nordlândia (ou Happylândia, como queiram), uma terra que não existe, mas que também não deixa de existir. É que ela não tem um palmo de chão plantado no mapa nem embaixada em lugar algum, mas floresce em muitos corações a horas diferentes ou às vezes na mesma hora. Nela tudo cabe e tudo é possível.
Eu, um habitante dela agora, tenho aqui a liberdade de soltar-me das cordas que amarram os cidadãos dos países comuns. Aqui entrei e entro sem passaporte, passo sempre pelo lado verde, nada tenho a declarar, entro como quero. Contrabandeio, trago artigos proibidos, tenho oito mulheres e sou, por minha parte, um dentre outros homens de uma mesma mulher amazona, cavalgadora de homens, que aqui somos todos iguais naquilo que é bem-bom. Trabalho em água doce e me fatigo de descansar empurrando suspiros de clara-de-ovo, debaixo da sombra duma nuvem branquinha. Não me curvo ao presidente, como me curvar perante a mim mesmo? Não tenho hora nem vejo miséria. Nordlândia (ou Happylândia, como queiram) só tem um habitante de cada vez, embora nada impeça que todos aqui estejam no mesmo instante. E o melhor deste pais: não ocupamos espaço, seus habitantes assim não trombam uns nos outros nem intercambiam germes perigosos.
Gosto muito de Nordlândia (ou Happylândia, como queiram) e venho aqui sempre que posso. Ultimamente, tenho vindo menos, porque exigem viajar de cuca limpa e não tenho estado assim. Essa é a única exigência para turistas. Feridas mal curadas, cicatrizes d’alma que, em uma que outra lua, têm voltado a sangrar me impedem de entrar nessa terra. Os sensores de tristeza da Imigração local me denunciariam. Hoje, porém, por estar preenchendo todos os requisitos, dei aqui uma escapadinha, pra não esquecer o caminho, não perder o costume.
Escrevo de Nordlândia (ou Happylândia, como queiram), uma terra que não existe.
(Copenhague, 21/l0/77)