A cobra peçonhenta
No castelo mais belo da região, o rei apreciava as festas da prole e a etiqueta da primeira dama e junto aos seus súditos do segundo estado, nobres, aristocratas e gurus, se divertia a negar a peste que assolava os trabalhadores e a burguesia, membros do estado terceiro.
Nos corredores do palácio desfilavam perfumadas vestimentas de sedas em corpos não higienizados em direção ao salão ar livre que beirado à piscina de águas cristalizadas dopava seus vassalos.
Todavia, o absolutismo do monarca era maior que o fascismo e cada deslize contra o poder era o castigo. A arbitrariedade dos aumentos dos impostos obrigava o povo a pagar os altos preços dos grãos, das carnes e dos combustíveis fósseis para que o rei continuasse a crescer o seu patrimônio.
Só havia espaço para o parqueamento da charrete de Sua Majestade e ninguém poderia se impor ao Rei Sol, nem mesmo o clero do primeiro estado tinha tal poder.
Uma serpente antes não considerada peçonhenta rastejava entre os consortes do rei sem ser apercebida e ia em direção ao ilustre estacionamento a se enrolar no calor dos acochoados bancos de couro do veículo real.
Lá fora, jacobinos e girondinos inspirados pelo iluminismo postavam-se à esquerda e à direita do direito de serem libertados da monarquia absolutista. Uma grande revolução estava para acontecer e os mais sofridos desejavam a cabeça do soberano enquanto que a burguesia dentro dos seus interesses defendia a exclusão dos mais pobres.
Nesse ínterim, o régio ser da corte acabara de dispensar seus valetes e caminhou até a sua luxuosa carruagem para uma viagem de fuga e ao buscar a vara de cipó para tocar seus cavalos, sentiu o sabor do seu próprio veneno. Não houve vacina, antídoto e cloroquina que impedisse que seu sangue fosse coagulado e gelatinado, e o rei morreu antes de ser condenado à guilhotina.