Gelo
Acordo do sono pesado e ligo o chuveiro. Água gelada, como sempre.
Só que nesse dia, o contato dela com a pele tem uma sensação diferente. Morna.
Morna diante da própria frieza do ser.
Passar a noite anterior com ela. Um verdadeiro teste.
Resistir às investidas e terminar com o beijo. Beijo, friamente calculado, que é seguido do sorriso sarcástico e autoral. Para manter a posição e prender a corrente.
O retorno para casa é sereno. Olhos turvos e cinzentos fixados na direção.
O pensamento apenas aponta para o futuro.
Retorno ao presente. O olhar continua frio e penetrante.
Apago os pensamentos que tumultuam a razão.
É o momento de jogar.
Emoções deletadas. Ponto final.
Entro em casa e acendo o cigarro.
A responsável pelas inúmeras chamadas no celular apenas me fita com o olhar.
Sorrio. Nada abala a personalidade fria.
Fria e jogadora.
Rolo na cama e durmo. Sem cogitar o que seria do amanhã.
Acordo com a frieza emocional no ápice.
Sensação indescritível.
A máscara está reconstituída. Ela olha para o interior e sussurra:
“Bem-vindo de volta, jogador”.
Passei no teste e recebi a chancela.
Eterno filho da puta.