Urubu no telhado
Nada tenho contra os urubus, a não ser um leve sentimento supersticioso em relação à presença deles. Além disso, preocupo-me com a higiene do local onde pousam.
São raros na região onde moro, mas quis o destino e as circunstâncias, que um amoroso casal de urubus fizesse pousada no telhado da minha casa. Bem que tentei acabar com aquele namoro em local impróprio, jogando água com a mangueira. Mas não se sentiam incomodados, pareciam até gostar da água caindo, pensavam que era chuva. Em decisão mais drástica subi no telhado com meio balde d’água disposto a causar-lhes uma chuva torrencial.
Por um momento senti-me ridículo, eu, um velho se equilibrando no telhado só para jogar água em urubu. Cena de comédia. Mas quando me vi diante dos monstros sinistros, percebi que haveria confronto, e sério. Não imaginava que fossem tão grandes. Um deles voou para longe, o outro me encarou. O bicho não gostou da minha aproximação, da mesma forma que eu não gostava de sua presença. Foi um momento de certa tensão. Levantei o balde e concentrei-me nas suas asas abertas, em início de voo. Foi quando escutei... tenho dificuldade de explicar o seu grito de guerra. Era uma espécie de ahhhh, como se ele tivesse enchido os pulmões de ar para soprar com força em minha direção. Joguei a água de qualquer jeito e bati-me em retirada em direção ao ponto onde estava a escada. O urubu foi pousar no telhado da casa vizinha. Honroso empate de recuos estratégicos. Comemorei a batalha ganha, e nem cogitei que ao fim perderia a guerra. O inimigo era valente e me espiava abrindo as asas de vez em quando. E eu já sem munição no balde.
Aproveitei o tempo para apreciar a paisagem do alto e fazer uma inspeção necessária do telhado. Ver sujeira nas calhas e avaliar áreas a serem impermeabilizadas. Foi então que, pela primeira vez, vi um filhote de urubu. Ainda não tinha penas. Parecia uma bola felpuda, com grandes pelos eriçados, de uma cor clara, meio amarelada. As patas enormes eram desproporcionais ao corpo. Para minha surpresa, aquele pequeno ser fantasmagórico já tinha seu grito de guerra: ahhhh.
Na minha casa a caixa d’água se apoia em uma pequena base de cimento, sobre a laje do teto, e fica escondida pela mureta de alvenaria construída ao seu redor, a qual forma um quadrado. E lá dentro do cercado, no canto, embaixo da caixa, estava o urubuzinho, sem berço, sem forração, sem nada. Cheguei a ficar enternecido com a precariedade e o desconforto que o teto da minha casa oferecia ao recém-nascido. Apressei-me a abandonar o campo de batalha, não por medo, mas para não causar mais incômodo à nobre família.
Esperei pacientemente várias semanas para que o bicho tomasse corpo e voasse. O mais constrangedor foi ter que dar explicações para os vizinhos. O amigo que mora ao lado uma vez me telefonou: “Olha, suas visitas chegaram...”.
Um dia, um esperado e oportuno dia, a excelentíssima criatura enfim desceu do telhado, e ficou calmamente dando alguns pulos pelo quintal, fortalecendo as asas. Já tinha corpo e aparência de adulto. Antes do entardecer, foi para longe. E eu cobri o cubículo da caixa d’água com tela plástica, evitando que ali os direitos de moradia se tornassem vitalícios.
Um caso parecido com esse já havia acontecido no centro de Brasília, na varanda de um apartamento desocupado. As maiores autoridades e os sábios da Capital estudaram o assunto e informaram na ocasião, pelos jornais, que o bicho goza de proteção especial em lei, e nada pode ser feito. Há que se esperar o crescimento da cria, e o abandono natural do ninho. Uma desastrada interferência humana, caso haja, pode ser enquadrada como crime ambiental.
Assim, por precaução, na minha casa já chamo urubu de Excelência. Não quero encrenca com urubu e seus advogados.
São raros na região onde moro, mas quis o destino e as circunstâncias, que um amoroso casal de urubus fizesse pousada no telhado da minha casa. Bem que tentei acabar com aquele namoro em local impróprio, jogando água com a mangueira. Mas não se sentiam incomodados, pareciam até gostar da água caindo, pensavam que era chuva. Em decisão mais drástica subi no telhado com meio balde d’água disposto a causar-lhes uma chuva torrencial.
Por um momento senti-me ridículo, eu, um velho se equilibrando no telhado só para jogar água em urubu. Cena de comédia. Mas quando me vi diante dos monstros sinistros, percebi que haveria confronto, e sério. Não imaginava que fossem tão grandes. Um deles voou para longe, o outro me encarou. O bicho não gostou da minha aproximação, da mesma forma que eu não gostava de sua presença. Foi um momento de certa tensão. Levantei o balde e concentrei-me nas suas asas abertas, em início de voo. Foi quando escutei... tenho dificuldade de explicar o seu grito de guerra. Era uma espécie de ahhhh, como se ele tivesse enchido os pulmões de ar para soprar com força em minha direção. Joguei a água de qualquer jeito e bati-me em retirada em direção ao ponto onde estava a escada. O urubu foi pousar no telhado da casa vizinha. Honroso empate de recuos estratégicos. Comemorei a batalha ganha, e nem cogitei que ao fim perderia a guerra. O inimigo era valente e me espiava abrindo as asas de vez em quando. E eu já sem munição no balde.
Aproveitei o tempo para apreciar a paisagem do alto e fazer uma inspeção necessária do telhado. Ver sujeira nas calhas e avaliar áreas a serem impermeabilizadas. Foi então que, pela primeira vez, vi um filhote de urubu. Ainda não tinha penas. Parecia uma bola felpuda, com grandes pelos eriçados, de uma cor clara, meio amarelada. As patas enormes eram desproporcionais ao corpo. Para minha surpresa, aquele pequeno ser fantasmagórico já tinha seu grito de guerra: ahhhh.
Na minha casa a caixa d’água se apoia em uma pequena base de cimento, sobre a laje do teto, e fica escondida pela mureta de alvenaria construída ao seu redor, a qual forma um quadrado. E lá dentro do cercado, no canto, embaixo da caixa, estava o urubuzinho, sem berço, sem forração, sem nada. Cheguei a ficar enternecido com a precariedade e o desconforto que o teto da minha casa oferecia ao recém-nascido. Apressei-me a abandonar o campo de batalha, não por medo, mas para não causar mais incômodo à nobre família.
Esperei pacientemente várias semanas para que o bicho tomasse corpo e voasse. O mais constrangedor foi ter que dar explicações para os vizinhos. O amigo que mora ao lado uma vez me telefonou: “Olha, suas visitas chegaram...”.
Um dia, um esperado e oportuno dia, a excelentíssima criatura enfim desceu do telhado, e ficou calmamente dando alguns pulos pelo quintal, fortalecendo as asas. Já tinha corpo e aparência de adulto. Antes do entardecer, foi para longe. E eu cobri o cubículo da caixa d’água com tela plástica, evitando que ali os direitos de moradia se tornassem vitalícios.
Um caso parecido com esse já havia acontecido no centro de Brasília, na varanda de um apartamento desocupado. As maiores autoridades e os sábios da Capital estudaram o assunto e informaram na ocasião, pelos jornais, que o bicho goza de proteção especial em lei, e nada pode ser feito. Há que se esperar o crescimento da cria, e o abandono natural do ninho. Uma desastrada interferência humana, caso haja, pode ser enquadrada como crime ambiental.
Assim, por precaução, na minha casa já chamo urubu de Excelência. Não quero encrenca com urubu e seus advogados.