PICADEIRO
É curioso observar certos sentimentos que prevalecem entre duas pessoas após muitos anos de convívio. E como vão mudando suas fantasias, assumindo novas formas, texturas e dimensões. O amor original, se é que existiu, acaba virando uma certa complacência para conviver com o que incomoda com menos refluxos. Como se acredita que há profundo conhecimento mútuo, a previsibilidade dos pensamentos e atitudes traz um certo conformismo e a segurança de que não brotarão surpresas do nada. O medo da solidão é que segura as pontas quando tudo ameaçar ruir. Ver envelhecer quem outrora esbanjava jovialidade acalenta de alguma forma o avançar dos dias e torna menos temerável a aproximação da morte. Os dois, ou duas, vão ficando com DNAs parecidos, como se os genes se entrelaçassem numa simbiose maluca. Alguns se separam depois de uma eternidade juntos, na expectativa de usufruir os anos que sobram sem alguns dissabores que permearam os tempos de vida em comum. Outros vão até o fim da linha sem abandonar o barco, como se estivessem cumprindo uma missão, um desígnio, um papel nesse picadeiro chamado de casamento.