Guerra fria

Uma inesperada aparição mexeu com o mundo, pois o que era livre se tornou preso ao medo de um vírus avassalador que invadia as células do trato respiratório a se replicar e literalmente deixar o corpo humano sem ar. Fomos obrigados a nos reinventar devido aos protocolos criados que nos aconselhavam a socialmente se distanciar das pessoas e foi nesse momento que se iniciou uma verdadeira guerra fria, um conflito ideológico que invadiu as redes sociais com as participações de negacionistas convencidos pela retórica dos conservadores a atacar a ciência defendida pelos positivistas protetores da vida que contra-atacavam com manifestações estrondosas a rasparem suas panelas com colheres de pau. Os dias foram se passando e as imagens de um ano olímpico foram trocadas pelas fotografias de túmulos escavados pelas pás dos trabalhadores anônimos. Lavar as mãos com álcool gelatinoso e utilizar máscara de pano cobrindo boca e nariz passou a ser uma regra da sociedade que estudava o vírus e indicava o confinamento social para as pessoas que não tinham como ofício um serviço essencial. Viver à margem dessa sociedade que nos orienta a não sermos assassinos culposos foi a escolha dos negacionistas. O uso da máscara não era unanimidade e não havia para a metade do povo o espírito de cirurgião que protege o paciente de gotículas contagiosas. A guerra era entre reveses bem divididos: uma parte colocava-se a direita de governo imitador e a outra se posicionava na esquerda em oposição. Os irmãos da direita entravam em contradição ao lançar discurso de ódio contra o comunismo da China sem saber que a inspiração da ruptura do seu imperialismo foi a matança recordista do povo que ultrapassou o número de vítimas da segunda guerra mundial iniciada por um homem que se proclamou irmão caçula de Cristo a lutar incessantemente durante quatorze anos pela igualdade social destruindo tudo que contrariava a ideia dos "Adoradores de Deus". Havia a falta de conhecimento sobre o utópico comunismo, o socialismo e o regime econômico capitalista que dominava o mundo a explorá-lo. O povo que há dois anos acreditou na mudança ao se iludir com promessas muito bem elaboradas pela cúpula estrategista também se dividia em suas opiniões a mostrar arrependimento de ter feito a escolha errada. Era uma guerra congelada pela falta de opção que mexia com as sensações de um eleitorado que antes persuadido pelas belas palavras vinda do púlpito estava a se manifestar contra suas próprias convicções. Um lado da guerra fria estava a se desmanchar e quando surgiu uma luz no final do túnel para que tudo voltasse ao normal, mais uma vez negou-se o empirismo da ciência. Uma fantasia de réptil coberta por escamas era lançada no ar a convencer os desmascarados atletas a dar de ombro ao invés de doá-lo.

A disputa mundial pelos formadores de anticorpos nos afetava e retardava a nossa tão eficiente prática de imunização e o pouco que tínhamos disponível era avançado pelo demérito dos fura-filas que avançavam os sinais da cidadania. Centenas de milhões de corpos se despediam da vida por toda parte da Terra e a humanidade, a principal responsável pela pandemia, continuava com a guerra fria a formar o grande paradoxo da emoção e da razão: um lado trocava seus canhões autopropulsados pela retórica clássica de Santo Agostinho que tentava persuadir os homens a retroceder abandonando o renascimento contemporâneo e voltar ao poder único da fé e o outro lado que sempre fora armado com a soberania do grito do proletariado se posturava covardemente ao se calar diante de ataques homofóbicos de quem governava um país por ele chamado de maricas.

O que se esperava contra um inimigo comum era que a arma usada seria uma unidade de homens sãos a lutar pela erradicação da praga independente de suas preferências políticas, entretanto, numa guerra fria o que importa é o ego e tudo corre contra o vento, pois é a "vaidade de vaidades, tudo é vaidade".

Ed Ramos
Enviado por Ed Ramos em 26/01/2021
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