QUE FREUD ME ACUDA
Descobri, e não faz muito tempo, que construo meus pensamentos em duas etapas: a faísca e o consolidado. A faísca é o indício, a pista, o preâmbulo do que será pensado. Não tenho controle, vem do nada e dá seu sinal de vida, tendo por ingredientes coisas boas ou ruins, desejos nobres ou nefastos, vozes de Deus ou do capeta. Nisso vigora uma absoluta liberdade, pois reflete facetas do que sou de fato, sem quaisquer reparos ou maquiagem. Tem momentos em que sou surpreendido com esses insights, pois denotam uma essência que por vezes envaidece, por vezes aterroriza. E não reprimir esses repentes intuitivos faz com que não esconda nada de mim, deixando fluir o que tenho de mais lindo e mais deplorável. O que carrego nos meus confins que seja digno de efusivos aplausos ou de vaias estrondosas. Daí, o outro eu entra em cena. Ponderado, ciente do politicamente "correto", comprometido com entorno, com o mais justo e solidário, faz o crivo, a validação, deixando ou não se consolidar, vir à tona, se traduzir plenamente. Daí aquilo que não for devidamente "aprovado" por essa segunda instância, será sumariamente expurgado, sem direito à defesa alguma, sendo jogado pra incineração. Mas, no entanto, o seu rastro não some, pois apesar de não ter passado de mera faísca, tinha algo (ou muito) de mim na sua composição, o que não posso, nem devo, ignorar ou desprezar. Afinal esses repentes sórdidos e execráveis poderão, quem sabe, serem chancelados algum dia, recebendo a devida homologação, o carimbo de aprovado. Isso pode acontecer quando a tal madre superiora de plantão estiver bêbada, desatenta ou mesmo caduca. Daí estarei perdido de vez.