MEU BEM, MEU MAL
O bem e o mal são poros da mesma pele, gomos do mesmo fruto, gotas do mesmo suor. Se dizem mansos ou ensandecidos quando algum sentimento os aguça, os atiça. Daí embaralham seus guizos e desmantelam cada teco de suas almas. Então se fundem num mesmo cavalgar, numa mesma unção. Viram dinamite alucinada, embebidos num torpor que assusta os ventos, o tempo, a fé. Daí seus ferrolhos se amotinam, se enfurecem, menstruam até parir o sol. Pois nada mais lhes breca, ou lhes serve. Bem e mal se irmanam numa simbiose maluca, avessa, aviltada. Quem ousar estancá-los ou, quem sabe, apaziguá-los, se estrebuchará até dissecar a ferrugem do medo ignóbil, espesso. açucarado. Dessa insolente e cabisbaixa surra, sorverão plácidos repentes de encardidas celas, de estraçalhadas agruras, de infestadas canções. Bem e mal, por fim, desembestam de si, depõem seu algozes e decantam sua puída dor. Quiçá sejam aguçadas paixões para nos fartarmos numa solene sublimação de alegorias mil. Amém aos que acudiram esse torpor manco. Amém aos que sucumbiram às minhas palavras alvissareiras. Amém aos invernados e castos ilhados sonos. Adeus aos gaviões órfãos que sempre viveram dentro de mim e só eu mesmo nunca desconfiei disso.