Crônica das canções de Natal

Hoje, 24 de dezembro, véspera de Natal, é o dia em que as famílias se reúnem e confraternizam - nesse ano de pandemia, com todo o cuidado recomendado pelos médicos - no Espírito de Natal. Trocam presentes, essas coisas. Em resumo, é isso. Ah, e as canções natalinas, como eu poderia esquecê-las? Minha mãe, com sua bela e afinadíssima voz, cantava muitas pra nós em aconchegantes e felizes natais pretéritos.

"Noite Feliz Noite de Paz Ó Senhor Deus de Amor...". Essa era e ainda é das top top em nossa família. "Botei meu sapatinho Na janela do quintal Papai Noel deixou Meu presente de Natal Como é que Papai Noel Não esquece de ninguém? Seja rico ou seja pobre o Velhinho sempre vem". Essa era outra, dos tempos ingênuos da infância, quando a gente não sabia que a realidade de muitas outras crianças era como Assis Valente (imagem acima) retratava em sua marcha natalina de 1933, a mais famosa canção de Natal brasileira: "Eu pensei que todo mundo fosse filho de Papai Noel Bem assim felicidade Eu pensei que fosse uma Brincadeira de papel Já faz tempo que eu pedi Mas o meu Papai Noel não vem Com certeza já morreu Ou então felicidade É brinquedo que não tem". A mãe a cantava, mas a gente não entendia como isso era possível, como poderia ser verdade, ao contrário da canção do sapatinho. Papai Noel sempre vem, oras! - pensávamos. Não sabíamos de nada, inocentes.

Todavia, top one, primeiro lugar nas paradas da família Souza Guerreiro era: "Bate o sino Pequenino Sino de Belém Já nasceu Deus Menino Para o nosso bem...". Gostávamos tanto dessa que repetíamos suas versões nonsense, como a famosa: "Dingou béu Dingou béu Não tem mais papel Não faz mal Não faz mal Limpa..." Tá, o resto vocês conhecem. Mas essa versão está desatualizada e obsoleta, pois os jornais estão sendo substituídos pela "imprensa" virtual - vejam o nosso Portal, por exemplo. Assim, hoje, cantá-la seria tanto um problema de rima quanto de fato. Imagina? Eh eh eh eh. Outra versão: "Bate o sino Bate o sino Da chefia pra almoçar Tá chamando Tá chamando A gurizada pra se envenenar Hoje a boia é boa Tem arroz queimado Sola de sapato e tomate estragado E na sobremesa Para variar Torta de tatu Com meleca de urubu". O legal é que a gente se divertia pacas.

Essas eram as principais, a gente as cantava sempre. Outras também faziam parte, às vezes entravam no hit parade familiar ou foram sendo incorporados com os anos. Natal das Crianças, cantávamos a letra assim: "Natal é noite de festa Natal é noite de luz Brilhou a Estrela Guia Nasceu o Menino Jesus". Pinheirinho de Natal, que para nós era: "Chegou o Natal Feliz Natal Os anjos cantam em louvor...". O Natal Existe: "Quero ver Você não chorar Não olhar pra trás Nem se arrepender Do que faz...".

De todas essas, a que mais gostei foi Happy Xmas (War is over), de John Lennon, que foi incorporada na discoteca natalina lá de casa via suas versões em português brasileiro. Primeiramente, na de Simone - minha preferida - e, um tempo depois, na de Wilson Paim. Além da canção ser muito bela e forte, com uma melodia marcante e com um arranjo estiloso de violões percutindo acordes com quartas e nonas "dançando" repetidamente em cada um, a letra original, mais do que uma canção de Natal, consistia também num manifesto pacifista contra a guerra - no caso, em 1968, Lennon se referia a do Vietnã. Ao final da canção o coral canta: "War is over If you Want it War is over Now", ou seja, "A guerra acabou Se você quiser A guerra acabou Agora", o que remetia a força e poder da imaginação como instrumento de mudança social, ideia que Lennon buscou no pensamento artístico e poético de Yoko Ono e que usaria explicitamente em outra canção famosa, Imagine.

Eis as minhas canções de Natal. Quais são as suas? Feliz Natal, cuidem-se bastante hoje, tudo de bom.