A caminhada de seu Guilherme, o tempo, a chuva
Tire as sandálias de seus pés, mire-se para o horizonte, não dê importância a chuva que molha seus cabelos deschapelados soltos aos intemperes... até que seques pelo toque da brisa fresca e perfumada, quando não o cheiro da terra molhada.
Sinta a argila pegajosa escapar pelo vão de seus dedos quando seu corpo pesar sobre suas passadas nesses exercícios ritmados, pingo a pingo encherão as marcas de suas pegadas quando pressionada sobre o solo apontando somente para uma direção visando uma meta; chegar ao topo dessa elevação, depois desse esforço certeza que acrescentará mais alguns pontos nas contas da saúde física.
Você com sua coragem, se defende do gélido clima cruzando os braços, deixe que a água escorra sobre sua face com semblante de satisfação, esqueça o agasalho por esses poucos tempo, contemple essa geografia tão generosa para nós seres humanos em pleno cenário de natural verdejante lhe oferecendo aconchego, como estivesse em um abraço confortável de grande amiga, hoje um fio de águas que escorre para esses desnível nesse terreno encharcado devido poucas horas de chuva, envolta a vida verde ainda lança um olhar ao caminho percorrido, vê-se o ponto de partida, a casa nessa distância medida pelos próprios caminhar, pegar o caminho de volta sim seria o maior suplício a pesar se tratar de uma ladeira de pouco declínio.
Seu Guilherme se achando em missão cumprida, retirou do bolso da calça um telefone móvel, tocou as teclas que ligava ao aparelho de Irene sua esposa e deu início ao diálogo:-
- Amor, você pode mandar Gustavo me pegar, vou voltar de carro, me cansei.
- Ah!!!... sim!!!... então cansou garotão?... kkk garotão só por força de expressão, seus cinquenta e cinco anos e mais uma dupla de ponte de safena... não sei não se uma hora dessas não entro para o clube das viúvas dos maridos técnicos em contabilidade dos anos oitenta, pense bem Guilherme, você não tá mais pra essas coisas, já está recebendo o castigo do passar dos tempos, cuidado meu velho.
- Como é, vai mandar meu filho me pegar aqui nesse ponto da estrada...? ou não vai? Fica aí com essas conversinhas de assombrar mulas, caramba...
- Não vai dar... ele foi para a cidade, e a menina não voltou com a moto, o jeito é você firmar o pé na estrada de volta, quem mandou fazer extravagância, lógico que não sou contra o exercício mas para você tem que ser a menos... ou com acompanhamento de médicos, você está indo longe demais.
- ... eu estou passando mal, acho que vou entrar em colapso, não consigo voltar, sensação de morrer.
- Aguenta firme aí que vou chamar seu médico, é um minutinho só.
Logo se percebeu que a viatura do plano de saúde de seu Guilherme surgia ali na rodovia que passava por perto da casa do sítio, logo o veículo tomou a estradinha de terra e chegou até onde seu Guilherme se encontrava, encostado em um tronco de árvore, o socorro chegou urgente, primeiras contatação médico disse:-
- É gravíssimo, caso para UTI.
Colocaram na viatura ambulância e mais que depressa zarparam pelo mesmo caminho que vieram.
As dezoito horas daquele feriado antecedia o sábado seu Guilherme encerrou sua caminhada, olhando por onde ele passou ainda pode constatar as pegadas na estreita estradinha que localizava a lavoura de plantação de milho, as marcar profunda encheram de águas da chuva, logo o sol acenderá e petrificará a argila que no momento dos passos marcante escapavam pelos vãos dos dedos daqueles pés descalços, agora na vertical nesse corpo estendido para sempre contrário da chuva que lava a relva, molha a plantação mas logo estará de volta.
A mesma terra fértil que recebeu a semente para eclodir formando novo grão, também recebera em sepultura o corpo de Guilherme que sempre sonhou em físico perfeito. Parece que seu Guilherme tinha algo a ver com a chuva, pois no momento que foi baixado o corpo na cova funda e larga os deuses naquele instante disseram em linguagem própria: - Descanse em paz seu Guilherme. deflagando um luminoso relâmpago em seguida o trovão deixando todos ensurdecidos.
20/12/20-antherport.