Uma tragada de reflexão
Era um domingo, por volta de 19 horas, voltava de uma caminhada da praia estava tentando fugir do tédio que já tinha me feito de refém durante toda tarde. Dobrei a rua na mesma velocidade que viro uma página de algum conto do Machado de Assis, ou algum suspense frenético, sem me atentar aos “detalhes”, mas diferente do livro na vida real, tudo é mais empírico. Ele estava lá como sempre, na verdade já não é mais surpresa encontrá-lo ali, minha surpresa é quando não o vejo.
O nome dele é Aldo, aparenta ter por volta de seus 50 anos, pele morena queimada do sol, já partilhei com ele algumas de minhas experiências na cozinha, mas domingo que se preze, tem que ser lanche na janta. Perguntei se ele queria um pastel, ele disse friamente,"não", foi como um balde de água fria, estranhei ele não é de recusar nada. Enfim, continuei minha caminhada para pegar um pastel no Moral, o cheiro do seu caldeirão de óleo onde ele frita os pastéis, exala mais forte que a vala aberta na rua, tenho certeza que a mistura de odores é nociva a camada de ozônio.
Voltando com os pastéis, passei novamente pelo Aldo que estava na calçada onde ele sempre fica e perguntei - tem certeza que você não quer? - com os pastéis em mãos a oferta seria irresistível, pensei. Porém, para minha surpresa ele recusou de novo. Ele me perguntou se eu tinha cigarro, eu até poderia justificar o motivo, mas como isso não é tão importante, pularei essa parte. Eu tinha alguns cigarros em casa, e quando estava subindo para pegar os cigarros ele gritou - “traz fósforo que o meu acabou.” Subi rapidamente e peguei alguns cigarros e uma caixa de fósforo desci e entreguei à ele, nunca o vi tão feliz em comparação desde quando compartilho alguma comida com ele, tudo bem que eu não cozinho tão bem. Claro que sei, que o cigarro não faz bem à saúde e tudo mais. Porém, ele queria e eu tinha, simplesmente não conseguia negar. Aldo começou a falar sozinho como de costume, sempre em tom de conversas, às vezes discussões e até mesmo recitando poemas.
Tudo dentro das suas normalidades dominicais, as senhoras voltando da igreja, algumas motos com metralhadoras em seus escapamentos era a sinfonia harmônica do momento e a mistura de angústia, irritação e frustração de um domingo à noite encenava a tragédia no teatro da vida e eu assistia da varanda do meu quente e pequeno kitnet. No dia seguinte, quando Aldo me viu, do outro lado da calçada em que eu estava, ele como de costume, levantou a mão e gritou: “hey patrão", eu apenas acenei de volta. Ele parou de caminhar e se virou para atravessar a rua, estava vindo em minha direção. Era quase meio dia estava um considerável fluxo de carros, ele deve estar com fome - pensei comigo mesmo. Não teria problema em pagar um almoço ou um salgado para ele. Ele chegou na calçada, meteu a mão no bolso, olhou para mim e perguntou, "você quer um cigarro?”.