A interna labuta
Há alguns dias estou fugindo da escrita como o diabo foge da cruz, parece que estou viajando de trem, olhando esperançosamente pela janela a vida do lado de fora, mas nunca chego no meu destino. Uma ansiedade de querer algo sem saber o que é como alcançar. Ah, lembrei, o nome disso é felicidade. Os dias simplesmente se tornaram loopings, eu fico desnorteado, vou dormir mais perdido do que quando acordei. O pijama já se tornou uma parte morfológica do meu corpo.
Na varanda, estão as marcas, ou melhor as cinzas, das noites mal dormidas que tentam ser remediadas com cigarros e outras coisas (só depois da meia noite, da última vez ligaram para o síndico e quase tomei uma multa). O medo do que vou encontrar quando olho para meu interior estava literalmente me corroendo por dentro. Mas como diz o saudoso (é apenas uma ironia) “a cura não pode ser pior que a doença”, resolvi lutar. Encarar o precipício escuro dentro de mim com uma lanterna de pilha de luz natural.
Acordei cedo, ou melhor nem dormi, assisti a um magnífico nascer do sol, ouvia o canto dos passarinhos de fundo, voando coordenadamente em grupo, em direção a um propósito, não era uma fuga e se fosse seria pela sobrevivência. Parecia um comercial ou filme motivacional dedicado para mim — mas não era. Tudo aquilo passando em frente a minha janela todos os dias, eram simplesmente os milagres diários que acontecem e estavam passando despercebidos por mim. Eu que sempre me julguei um observador cai na minha própria armadilha. Devagar eu comecei a ouvir o barulho da cidade acordando, ônibus e carros ecoavam num mar de asfalto, os parque pareciam corais de areia visto da varanda do prédio num céu azul cor de mar. As pessoas famintas e sedentas caminhando rapidamente nas ruas em diferentes direções com diferentes propósitos, complementavam o cenário da selva de pedra. Um gole no café, uma respirada profunda — ufa, eu voltei. Acho que entendi porque Deus sempre vence, na selva, na vida ou na natureza, fugir não é uma opção.