Um instante de saudade

Acordei hoje saudosa de tudo, uma lágrima molhou-me a face ao lembrar meu pai. Não me que me recorde dele raramente, já que é a lembrança mais constate nos meus dias. Contudo, as recordações nesta manhã de quatro de agosto estão ainda mais intensas.

Olhei ao lado meus dois filhos adormecidos como anjos; contemplei aqueles semblantes tranqüilos. Lembrei-me então da minha infância também tranqüila e feliz junto de uma família de verdade... Um filme me passava na memória.

Fechei os olhos por um instante e ali revivi momentos inesquecíveis. Pôde ver novamente nossa casa do interior, cheguei a sentir o cheiro do mato misturado ao do café que mamãe fazia. Aquele aroma contaminou minha alma.

Vi mamãe levando o café da manhã do meu querido pai, deixando a bandeja sobre a velha escrivaninha do comércio, enquanto ele abria o depósito e organizava suas coisas. Um ligeiro sorriso iluminou-me o rosto.

Em fração de segundos, estávamos meus irmãos e eu, na porta de casa agora na cidade. Aguardávamos ansiosos pela chegada do nosso pai que semanalmente nos visitava. Era um momento ímpar, mágico para todos. Nem a visita do papai Noel no natal era mais esperada do que a visita de papai. De repente, olhei para a esquina em direção da velha ponte avistando aquele homem alto de cabelos grisalhos, rosto infinitamente terno, andando apressadamente com seu chapéu de palha na mão esquerda e os braços abertos prontos a receber nosso abraço e nos abençoar. Nossa euforia em gritar “papai chegou” era tamanha capaz de atrair a atenção dos curiosos que lá estavam. Abracei-o com amor sentindo seu coração e a fragrância do seu perfume. Aquele abraço apaziguou a saudade dos dias sem sua presença física.

Minha mãe entrou no quarto fazendo-me despertar... Meu coração quase se desfez de tamanha saudade. Pó um momento um vazio me dominou, cheguei a ficar sem ar. Meus olhos rasos d’água voltaram-se para meus filhos ainda adormecidos. Levantei-me indo em direção ao espelho e refletido nele um rosto triste, sem vida, como se não houvesse motivos para felicidade. Naquele momento pensei nos meus filhos, na minha pequena família, nas muitas amizades que fiz e que ainda cultivo. Pensei nos meus sonhos, nos meus ideais de vida. Lembrei de todas as coisas e pessoas maravilhosas que Deus me deu nesses trinta e um anos de vida. Uma fagulha de esperança me fez recordar as palavras da amada amiga Helena Ferreira, que um dia me disse que o passado é irrecuperável e imutável. E que as lembranças saio muito mais do que consolo para a saudade, que são momentos que nos servem de lição. As lembranças da minha infância e da minha adolescência me trazem a saudade infinita do meu pai, mas também trazem a certeza de que vivi intensamente cada momento ao lado dele.

Sorri então para minha imagem e vi nela uma luz refletida. Uma paz agora me confortava, certamente Deus com sua misericórdia e infinita bondade consolava-me o coração.

As palavras de Helena, a paz agora sentida fizeram-me perceber que apesar da grande falta física do meu papai, ele permanecerá vivo e sempre presente na minha memória e na minha vida. E todas as vezes que sentir saudades dele posso fechar meus olhos e tê-lo novamente aqui, porque ele permanecerá vivo no meu coração a cada novo amanhecer.

04/08/2006 às 07:45min

Anne Monteiro
Enviado por Anne Monteiro em 26/10/2007
Código do texto: T711060