REUNIÃO DE IDEAIS

REUNIÃO DE IDEAIS

Qualquer um que tenha participado de uma reunião de escritores há concordar que. mais do que um encontro de sonhadores e idealistas, tais eventos são um conclave -- por vezes, conchavo -- de desiludidos, de derrotados.

Vamos a tais eventos com a incômoda sensação de que aquilo "não vai dar em nada", de que é pura perda de tempo se criar mais uma associação, grupo. academia, etc. Ninguém ignora que Governo e Prefeituras só se propõem apoiar promoções de porte, atividades que envolvam as massas, como o futebol, o carnaval, forrós, folias, micaretas e no máximo um bingo ou baile oficial.

Literatura, pintura, teatro quase sempre, balé, artes plásticas e até a música (MPB) "dançam" literalmente ao sabor do menosprezo dos alcaides ou da indiferença geral.

Livros, se (e quando) são publicados, atendem apenas aos interêsses do gestor muncipal do momento ou, produzidos em Brasília, contemplam a vaidade desmedida da alcatéia "política" que a frequenta, relatando a tal atividade (?!) parlamentar de elementos -- o melhor têrmo para quase todos -- que "trabalham" menos de 80 dias por ano e recebem do povo (que os elegeu) 15 ou 16 super-salários.

O que sobra para o artista amador, para o escritor de gaveta, para o músico de fim de semana? Só desilusão, desesperança, uma perspectiva árida ou a saída inglória de usar minguados recursos próprios a fim de editar seus trabalhos, enquanto Prefeitos esbanjam verbas públicas em bobagens.

A luta de LUCINERGES COUTO em Ananindeua -- cidade vizinha a Belém do Pará -- foi para dobrar essa sina perversa de que poetas e demais autores não merecem nada... nem reconhecimento, nem apoio. Êle esbarrou na inércia da maioria, no ceticismo de alguns (eu, entre outros) e no cinismo oficial, que tanto prometeu sem jamais cumprir coisa nenhuma.

Lucinerges Couto não se deu por vencido... partiu para um município próximo e refundou lá o que fracassara aqui. Registrei num jornal de Belém, sob o título de "Uma reunião de idéias e ideais" -- in DIÁRIO DO PARÁ de 17/agosto/1989 -- um pouco do esfôrço de Lucinerges Couto a fim de que Ananindeua tivesse vida cultural, o que efetivamente não sucedeu até hoje. Sem cinemas e nem um teatro sequer a cidade de quase meio milhão de almas continua tateando no escuro.

No texto reclamo que a coluna "Espaço Aberto" era mais usada por fanáticos religiosos do que por literatos "porque nossos escritores continuam a ignorar tal espaço.

Numa terra em que se dá valor apenas a bailes, bingos e torneios de "pelada", os que amam a cultura (em todas as suas formas) e precisam dela tanto quanto de oxigênio passaram a se reunir na biblioteca da PMA (...)"

Cito a seguir os nomes de 8 abnegados batalhadores da literatura presentes à reunião de 8/julho/1989, um sábado, ciceroneados pelo bibliotecário Raulino Silva, que já está para se aposentar na função.

A afluência às reuniões jamais passou de 10 ou 12 pwssoas, exceto no dia da aprovação do Estatuto, do logotipo e criação efetiva da ALA-A (Assoc. de Letras e Artes de Ananindeua) cujas atividades duraram pouco tempo. No citado sábado discutiu-se a apresentação de uma carta de intenções não só para o Secretário de Cultura (do Estado, poeta J. J. Paes Loureiro, um marco para o mundo artístico da época, 1988) como também para o nosso Prefeito, além do objetivo de se ter gráfica própria para editar nossos trabalhos. RUFINO ALMEIDA aplaudiu a idéia e afirmou que o escritor só deixará de ser roubado e explorado quando realizar esse sonho.

FRANCISCO MATOS, vulgo "Baiano", declarou-se apenas "um registrador das coisas do dia-a-dia, pois escritor é aquele que cria e FELIPE SIL convidou os presentes para assistirem peça de um ator amigo dele. Houve protestos contra o artigo "Escritor paraense: uma ficção ?" de Aristóteles Miranda (in A PROVÍNCIA DO PARÁ, 27/06/89) e ABIEZÉR SILVA declarou que "estava se lixando para as críticas pois escrevia para o povo e este jamais deixaria de lê-lo".

ERON CARVALHO comentou que "se alguém fizesse um O quadrado e o público leitor gostasse, êle faria um sucesso maior do que qualquer outro. Declarei ter conhecido pequena editora baiana, (a BLEFF ARTE, de Brotas) que não pensava em dinheiro somente, fazendo lançamento mensal com 3 livros -- um de autor popular e 2 outros de escritores iniciantes -- numa iniciativa pioneira e bem-sucedida na época.

Meu artigo encerrava com a afirmação de que... "num Mundo com cada vez menos espaço para a Arte e quase nenhum tempo para as coisas do espírito (as religiões só almejam espórtulas e dízimos, nada mais) reuniões como as nossas são, mais que válidas, imprescindíveis".

O vento levou sonhos e planos e, hoje, afastado voluntáriamente dos eventos sociais ligados à literatura, vejo surgir mais uma associação, a CASA DO POETA, com boa parte dos antigos membros das "falecidas" e alguns novos homens de boa vontade. Fica difícil se crer num apoio oficial a mais esta, quando a administração do município praticamente extinguiu a recém-criada (em 2006) SECULT, transformando-a em departamento da Ação Social, segundo uns, da SEDUC ou da SEELT segundo outros. Há, ainda, uma "sumida" FUNCAN, fundação cultural (?!) nas mãos de um chefe de quadrilha (a junina) com um passado obscuro e nuenhuma (con)vivência literária.

Enquanto existiu, ano e meio se tanto, a SECULT ananin deu belos passos -- inclusive fez o cadastramento de pessoas & grupos ligados à Arte e/ou Cultura -- que não passaram de mera encenação, engôdo, ilusão cruel. Tive negados míseros R$ 160 reais para participar de coletânea poética no RS, que levaria o nome & logomarca da PMA à boa parte do país em 800 exemplares da obra. Nenhuma surpresa: o prefeito anterior (por via do seu Cerimonial) me garantira R$ 250,00 em 3/2003 para idêntico fim. Passaram-se mais de 90 dias e... nada! Apelei ao secretário de finanças, depois ao vice-prefeito e só assim, com 108 dias de atraso, a verba foi liberada. (OBS.; a cidade já era a terceira em volume de arrecadação fiscal no Estado.)

Enfim,cá estou/estamos, apesar dos pesares e das desilusões... com a coletânea (de 6 poetas apenas) A POESIA CONTEMPORÂNEA EM ANANIDEUA - A Poesia Urbana na Amazônia, que foi o sonho maior de Lucinerges Couto. Numa microedição de menos de 200 exemplares mas provando a todos que lutar é preciso, caso contrário continuaremos INVISÍVEIS aos olhos dos que nos governam.

Esta obra se constitui em fato INÉDITO na história dos municípios paraenses, embora por volta de 2002/3 o cordelista JOÃO DE CASTRO tenha editado coletânea semelhante, com autores de 4 ou 5 muncipios, cooperativados como é praxe no meio.

(email de 23 de março de 2008, só encontrado agora)

"NATO" AZEVEDO (em 6/nov. 2020)