Finados
Em toda minha vida, desde os seis anos , quando perdi meu avô materno, este dia era de respeito e oração. Ia com minha mãe ao Cemitério, primeiro para pintar, depois para enfeitar o jazigo da família. Ela era uma especialista na arte da decoração. Plantava esporinha roxa - Delfinium - no jardim de casa , e, com ela e alguns raminhos verdes, colhidos ali mesmo no cemitério, desenhava a cruz sobre o túmulo frio, silente. Dava vida. Dava cor. Dava um sentido. Jesus passou pela cruz, mas ressuscitou. Depois de rezarmos, chorávamos as três, baixinho , a dor da saudade. Com o tempo, morreram outros e, então, fazíamos a via sacra por todo o cemitério. Difícil foi quando perdi meu pai em 2008. A dor virou crônica. Íamos as três: eu, minha mãe e a mana . A decoração era outra, plantamos margaridas no quintal, e com elas ornamentávamos o túmulo. Não demorou dois anos, e ela foi fazer companhia a meu pai nos céus. Companheira fiel minha mãe. A dor era quase insuportável para mim, mas Deus me fortalecia. Continuamos eu e a mana, na missão. Cedinho eu a pegava para cumprirmos com nosso ritual. Mais dois anos, e se foi meu irmão mais velho. Executado friamente por um moleque. Mais um punhal afiado atravessou nossos corações. E, cinco anos passados, a escolhida foi minha mana amada. Fiquei sozinha. A dor multiplicou-se. O coração fraquejou. As pernas bambearam. As lágrimas aumentaram, mas mesmo assim, como lobo solitário, fazia tudo que minha santa mãe ensinou. Hoje é um dia atípico. Não irei. Que tempos são esses que nem os mortos podemos chorar? Sorte que as lágrimas derramo aqui, com minhas palavras e lembranças.