Hitler e Chico Xavier
Eu me recordo de quando frequentava ainda a igreja católica, mais precisamente uma aula preparatória para a primeira comunhão que se dava diretamente com o padre da paroquia Santa Cruz de Matão, o Padre Ferrari. E ele disse algo que naquele momento me intrigou muito: Deus ama a todos incondicionalmente'. Ainda posso me lembrar de seus esforços hercúleos nesse dia para nos fazer entender que Deus ama o mais cruel dos homens da mesma forma que ama os chamados santos. Não era uma tarefa fácil, levando-se em conta que éramos apenas crianças às vésperas da primeira comunhão.
Mas sempre fui curioso a respeito de quase tudo. E principalmente pelos assuntos do que hoje identifico como a essência do ser e das coisas. Embora tenha passado por algumas religiões, eu não me identificava com os rótulos e muito menos com os padrões sociais. Elas eram apenas um meio para eu encontrar, lá no fundo, o alimento da minha alma. O alicerce para meu caminhar, a compreensão das coisas serem como são. Isso me fez seguir em frente quando achavam que eu não conseguiria mais.
Mas enfim, essa busca me levou ao espiritismo que é uma filosofia e uma ciência, já que pautada, a sua existência, na observação. Uma filosofia como a do sábio grego Aristóteles, que primava pelo prazer pelo conhecimento. Ou pelo menos pela busca incansável desse. Pois como disse também um outro filósofo, esse do iluminismo, Denis Diderot, filosofar é descer. E das dúvidas, assim como das divergências, nascem grandes ideias e chega-se a algumas verdades. Que possuem a deselegância de mostrar nossa pequenez diante da grandeza da vida, rindo e zombando de nós que já achávamos que sabíamos algo. Trazendo a cada nova suposta verdade um turbilhão de novas dúvidas. Que são fascinantes, não podemos negar, por representarem infinitos caminhos para novos conhecimentos.
Mas quem teve a paciência de chegar até aqui ainda está perguntando sobre o título: Hitler e Chico Xavier. É que nós necessitamos ainda de exemplos realmente impactantes. E fica muito fácil visualizar as diferenças ente estas duas figuras notáveis que viveram no mesmo século. Mas ainda é preciso entender como Deus ama os dois da mesma maneira. E Ele o faz.
O amor incondicional para com suas criaturas é facilmente entendido quando lembramos que o fato Dele amar a todos da mesma forma, não significa que todos colherão os mesmos frutos. Mas que, até pelo infinito amor do qual somos beneficiários, cada um colherá exatamente aquilo que plantou. Uma lição em forma de colheita, uma oportunidade de mudar de direção na estrada da vida.
Mas cometeria um desatino quem julgasse que caso convivessem, Hitler e Chico Xavier, o segundo teria algum tipo de privilégio. É apenas uma mostra de que não entendemos os mecanismos da vida. Um raio na cabeça de Hitler por afrontar Chico Xavier. Como Chico mesmo diria: ledo engano.
Agora imaginemos nós, que estamos tão longe de ser Chico como de ser Hitler, que vamos dormir todo dia achando que nosso vizinho morreu de covid e nós não por uma questão de merecimento. Nas questões 853 à 855 do Livro dos Espíritos fica bem claro que ninguém desencarna antes da hora, com exceção ao suicídio, naturalmente. Existe todo um planejamento quanto ao fato de entrarmos e sairmos desta vida, haja vista a importância que ela tem para nossa evolução.
Ou pensamos ainda que estamos trabalhando e gostamos de bater no peito por questão de merecimento. Que nossos filhos são saudáveis, ainda, ninguém sabe o dia de amanhã, por merecimento. E toda vez que afirmamos isso estamos nos colocando num ilusório patamar superior aos nossos amigos de jornada, ignorando que vivemos num mundo de provas e expiações. As posições nas reencarnações sucessivas se invertem, e necessariamente vamos passar por muitas coisas que, equivocadamente, acharemos que não merecemos.
Merecimento é uma palavra que, como muitas outras, merece toda nossa atenção e nosso estudo cuidadoso para que ela possa ser útil a nós e aqueles que nos cercam. A palavra mata e o espírito vivifica.
Mas não há enganos por parte do Arquiteto Supremo. E a meta é aprender. Aprender e aprender, até entendermos que a lei maior, pedra angular onde a vida se assenta, é o amor. Não uma algema, mas a capacidade de libertar. Não um troféu para ostentarmos, mas uma conquista de uma alma que quando sentir a sua chorar atenderá sem ser chamado.