PAGODE NA CASA DE GENTE BEM

O Edyr chegou na sede campestre com um samba no estilo pagode. Chamava-se "Pagode em casa de gente bem". Depois que tocou, todos caíram na gargalhada. Apesar de não serem citados nomes, todos sabiam ao que, e a quem, o gozador se referia.

Gostaria de colocar a letra aqui, mas infelizmente, a despeito de ter ficado em minhas mãos por mais de três meses, passada pelo próprio Edyr, devolvi a ele um mês antes de sua fatídica internação. Perdeu-se na poeira do tempo.

Já insisti com a Celeste para que ela procurasse nas coisas dele, mas não sei se por medo de que os protagonistas reconheçam o episódio, ou pela tristeza de reviver momentos que não mais voltam, ao rebuscar os pertences do mestre, o fato é que não mais tive seus versos sarcásticos sobre o evento.

Aconteceu assim:

Já não era a primeira vez, mas fomos convidados para um sarau no palacete de um conhecido nosso, a quem prezamos muito. Jardim e gramado cuidadosamente tratados. Dentro da casa um cenário esfuziante de samambaias e outras plantas ornamentais. Piso de granito, quadros em profusão e estatuetas de marfim e terracota - podiam até ser de barro, mas que estavam muito bem disfarçadas, lá isso estavam!

Já tínhamos comparecido àquele tipo de reunião duas vezes. Só que os anfitriões ainda não estavam muito acostumados aos horários dos Camelos que, quando nada têm gostam de beber lua e comer estrelas, com sobremesa de um fundo musical, gratinado com os primeiros raios de sol do dia seguinte. Mas quando têm, também gostam de comer e beber· coisas mais substanciosas, principalmente os destilados de malte, em especial os oriundos da Escócia.

Naquele dia, como sempre, dois ou três camelos chegaram depois da meia noite. Não lembro bem quem, mas acho que os costumeiros: Gervásio, Dantas e alguém mais.

Cheguei cedo ejá tinha ido à mesa. Por sinal, a comida estava deliciosa. Inicialmente não notei nada de anormal. mas o Pepê não quis se servir logo, preferindo cantar mais uma.

Disse o Agostinho: “Rapaz tem um bacalhau que acho vou pegar mais um pouco para levar pro Rex. O Rex gosta de bacalhau, vocês sabiam? Não quer um pouco pro Maradona, Pepê?"

O Pepê sorriu da brincadeira e levantou-se dizendo:

- Agora vou é pegar um pouco pra mim!

Quando chegou à mesa, lugar mais limpo. Nem as deliciosas sobremesas estavam mais. Um Camelo mais afoito ainda espionou dentro da geladeira. Em vão. Nada mais existia. Tudo sumira como que por encanto, em menos de um minuto!

Desiludido voltou à roda da seresta, na esperança de que chegasse o uísque pedido há algum tempo. Também ficou só na ilusão.

Lá todos reclamavam da renovação de suas bebidas, pedidas há não sei quanto tempo.

O Evaristo reclamava de um gelo pedido havia mais de meia hora, para resfriar o seu “caubói”, que já estava cansado de esperar.

A Lourdinha havia pedido, para o Edyr e o Dantas mais um pouco de torta de bacuri. Na hora o garçom aquiesceu balançando a cabeça. Foi-se e não mais voltou.

Os retardatários acabaram ficando com fome. E o que é pior, com sede.

Eram duas da madrugada. Pra nós a noite começando, mas e os donos da casa... Sim, onde estavam donos da casa? No segundo ou terceiro sono. Já tinham se recolhido aos seus aposentos e nós nem tínhamos percebido. Os garçons? Só havia ficado um já sem a roupa de pinguim, mas com uma sacola cheia, pronto para zarpar. E o gelo do Evaristo? Parece que tinham encomendado no Polo Norte, pois até o momento não dera o ar de sua graça.

O Vavá ainda tentou argumentar, mas o serviçal remanescente retrucou que tudo já estava recolhido, inclusive o gelo, e que nem água tinha mais.

Desta vez não esperamos pelos raios do sol. Todos foram enfiando a viola no saco e, pé ante pé, saindo de fininho.

Nunca mais fomos lá. Contudo, todos nós estamos aguardando ansiosamente mais um convite para participar dos famosos saraus. Afinal, três dos quatro mais atingidos não estão mais aqui, todavia, desta vez estarão por lá, invisíveis, nos protegendo.

Só pedimos encarecidamente urna coisa: podem dormir cedo e deixar a gente tocando. Mas, por favor, destranquem a despensa ou troquem a equipe de garçons!