Time's Money
Sim, eu quero que vejas a Lua. E que a vejas como um pássaro gordo e redondo, uma pomba branca borrada de leite, eis o que pode ser se tivermos tempo de olhá-la. Já ouviu falar em olhos da alma, de metáforas? Mas não quero que a vejas assim, se não queres.
Se queres o pó dos ossos, a frieira entre os dedões do pé, o lodo, as algas podres, o barro fedorento, tu também podes ver. Eu não impediria de veres o que queres.
Porque só existe uma corda. As duas pontas não são iguais, todos, pelo menos aqueles que já desceram alguma vez certas ladeiras e às mais fundas e escuras cisternas, junto às raízes de todo desespero. Todos sabem que as duas pontas são diferentes. Mas são diferentes tanto quanto podem ser diferentes as pontas de uma mesma corda. É a mesma corda, não deixa de ser.
Não falemos de rosas. Elas são bonitas, é verdade. Nem de grilos crilando ou melodias de cigarras se enxugando ao sol. Nem de umas noites, comecinhos de noite que há por aí, tudo molhado de chuva, um banho de gotas d’água caídas de uma goiabeira, tudo cheirando como donzelinha perfumada. Não, não falemos.
Não falemos porque não podemos perder tempo. Teu tio tem de chegar cedo, fazer hora extra, o preço da gasolina num tá mole e há tanta coisa nova no mercado... E como ter tudo isso? Tens razão. Teu tio tem de trabalhar muito, não pode perder tempo com minha conversa besta, meus escritos não pragmáticos, inúteis... sim, tudo tem que ter uma utilidade. Se não tem, inventa-se. Aliás, será que já leste os Dostoievsky que te emprestei? Não, é claro. Eu não poderia exigir isso de você. Você é uma pessoa ocupada. Você, não...desculpe, tu. Sim, comecei com tu, TENHO de terminar com TU.
Voltando aos livros, até seria besteira ainda pedir tua opinião sobre “O Pequeno Príncipe”. Na certa, tu o leste às pressas, não tiveste tempo de entendê-lo, né? Ah, leste-o na privada... sim, ótimo. Então, não perdeste tempo. Não tinhas mesmo nada que fazer, né? Enquanto isso...Tempo é dinheiro. “Time’s Money”.
Por falar nisso, que tal darmos uma saída por aí, estou precisando muito de bater um papo com alguém. Uns dez minutos só. Dou-lhe vinte contos pra compensar o tempo perdido. Ah, desculpa! “Dou-te vinte contos”. Voltei a usar você. Você não. Tu. Comecei com tu, TENHO de acabar com TU.
(Brasília, DF/1974)
(Publicado: Jornal “Município de Pitangui”, 22/07/1975)