O sistema social

Qual o seu ofício? O meu, aqui no Portal de Notícias, é escrever. E o nosso ofício tem de ser útil nesse momento incomum e inédito para as gerações que vivem nesse planeta. Ou tem alguém lendo essa crônica que testemunhou a Gripe Espanhola? Se tiver, será que somam os dedos de uma mão? Não pesquisei sobre e, se alguém investigar, por favor, publique num comentário. Nem precisa informar se guardam memória daqueles tempos, seria exigir demais.

O que escrever durante uma pandemia inédita? Ora, conforme já mencionei acima, coisas que sejam úteis para as pessoas nesse momento, que informem algo de proveito ou que pelo menos possibilitem alívio imediato, um cadinho para auxiliar na saúde mental. Ou também a criar empatia nas pessoas. Com a empatia, passamos a orientar nossas ações pelo que é útil ao bem comum, tendo a vida como prioridade. Ou há o que seja mais prioritário do que a vida humana? Logo, o risco da morte - esse que os profissionais da saúde enfrentam cotidianamente mais do que qualquer outro trabalhador -, nos dias que passamos, só é justificável se o for como sacrífício pela vida humana. Fora disso, é ilógico. Assim, somente as atividades que tem como fim a manutenção da vida humana em sociedade deveriam ser realizadas com risco à vida na atualidade; as demais, só se não gerarem risco. É o lógico.

Os escritores, para exercerem seu ofício, não precisam correr risco, podem fazê-lo em isolamento social, como trabalho remoto, regime em que muitos profissionais estão durante a pandemia. Pois tem um ditado popular que diz que "se não ajuda, então não atrapalhe". Como quem está na rua corre o risco de se contaminar e espalhar o vírus e a morte, então é melhor que fique em casa, se sua função social não é essencial para a promoção da vida humana. E isso deveria ser uma decisão tanto individual quanto coletiva, enquanto aguardamos a vacina salvadora. Ajudar, mas sem atrapalhar, com segurança.

Acontece que, do modo como funciona economicamente nossa sociedade, se as pessoas não saírem para trabalhar, ficam sem dinheiro e, com isso, sem meios para manter sua vida com alimentos, remédios, água e energia (luz), principlamente as pobres. Então, agora, nessa pandemia, concluímos que nosso sistema social tem uma falha gravíssima, agora escancarada: não possui estratégia para, numa crise sem precedentes, manter a salvo as pessoas, evitando que arrisquem a vida sem que seja em situação de extrema necessidade individual ou social. O nosso sistema social não é funcional para tal fim, ou seja, a prioritária manutenção da vida humana em qualquer circunstância. Fato.

Uma questão surge: é uma falha do sistema ou é o sistema que é estruturalmente falho? O sistema está em anomia ou é o causador da doença? Pois um sistema social existe para manter o bem estar e a vida das pessoas ou ele não é um sistema social. Pode ser um outro tipo de sistema, mas não um que deva ser aplicado à vida humana em sociedade, eis que não cumpre a sua finalidade primeira. O grande debate dos anos vindouros, pós pandemia, deve ser este: o sistema em que vivemos é adequado ou inadequado?

E digo isso pois esse foi justamente o debate posterior à Segunda Guerra Mundial, visto que, após um grande mal, uma situação limite, uma correção de rumo se torna necessária a fim de evitar que recalcitremos nos erros cometidos contra a humanidade. O ser humano, o seu bem estar e a manutenção de sua vida deve ser o sentido de todo o sistema social. Sem isso, estaremos num sistema onde seremos dispensáveis e nosso maior bem, a vida, descartável. Um sistema tão aterrorizante quanto a pintura "Saturno devorando seu filho", de Francisco de Goya.