A maioria das vezes são cabritos e cabras assustadas
Ser escritor não é ter coquetéis em homenagem. Ser escritor não é esperar edições de livros se esgotarem como água da torneira nem esperar palmadinhas no ombro depois do último sucesso. Ser escritor não é esperar ardentemente a tarde ou a noite de autógrafos, não é despejar taças do egoísmo próprio às ruas, que o mundo já está farto de egoísmo.
Não. Não. Ser escritor é tentar a cada instante laçar o pescoço do mundo. É tecer contínua e persistentemente uma corda de essência, é tentar laçar o cerne da criatura, enlatar o caldo do momento. Numa sucessão de fracassos, apesar deles, reconhecer que sempre está fazendo melhor, embora dolorosamente, saiba que a perfeição jamais virá.
A bordo da lua entardecida, vejo, de repente, os rostos de papai e mamãe colados como na foto do casamento. Sorrio e lhes atiro daqui uma caneta, mas nada vem de volta, nem acenos nem bilhetes. Rapidamente, monto no lombo do Pássaro Madrugador e voo reto pra eles. Mas, outra vez, nada acontece. Quando os ia abordar, nasce um vazio no lugar onde estavam. Como se fôramos desconhecidos e não houvesse razão de nos vermos, foram-se embora.
Quá! As pessoas são estranhas! Tenho passado a vida toda buscando por elas e sempre chego tarde. Não se deixam explorar, digerir, conhecer. Fogem sempre ou se mascaram. A maioria das vezes são cabritos e cabras assustadas.
(Brasília, 12/1974)