A MAIS DURA MISSÃO DO TEMPO
Quando alguém querido da gente morre, não há dor maior no universo, não há tristeza que se compare, não há indignação que chegue perto. Aí vem o tempo e começa a secar as lágrimas, vai acariciando a dor no peito até que fique dócil, vai tirando da nossa frente aquele gosto amargo da saudade. Daí, pouco a pouco, aquela pessoa tão querida, tão presente, tão insubstituível, vai perdendo seu viço, vai minando seu cheiro, vai deixando difusa a sua sombra. Até que um dia nos damos conta de que já não nos faz mais tanta falta assim e isso é tão nítido que até parece que nunca existiu de fato. Eu sei que isso parece por demais cruel, parece que viramos as costas pra quem foi tão importante, parece pura ingratidão e até pouco caso por quem amávamos mais do que tudo nesse mundo. Mas o tempo é hábil na arte de costurar e descosturar vínculos e histórias. Parece que Deus outorgou ao tempo a dura missão de turvar a alma da saudade, de aplacar a dor que pelava no coração, de jogar uma grande parte do nosso sofrimento numa barca pra que a correnteza leve pra bem longe. E isso é tão real que se aquela querida pessoa retornasse do mundo dos mortos, não teria mais o seu lugar na nossa rotina, por mais incrível que possa parecer num primeiro momento. Se retornasse das trevas como por encanto ou milagre se tornaria um corpo estranho no nosso chão. Se tornaria uma criatura que não ornaria mais com a gente, justamente a mesma criatura que era o nosso tudo, nosso porto seguro, nossa mais abençoada âncora. Nossa mais divina e eterna dádiva dos céus.