Enguias de macarrão
- Mesmo sem conhecê-las ´
É preciso ter medo
Das enguias de macarrão
Pesadas
Como fardo de rapaduras -
Não há pessoas ruins. Há gente mais (ou menos) engolfada na solidão. E que não a compreendeu.
Porque, a cada passo, se sentia mais livre e mais solitário. A cada passo, os gênios eram menos gênios, os santos menos santos. A cada passo, ia se assegurando de que, um dia, as estradas se acabariam. Não haveria mais casas e ninguém para conversar. E ninguém mais da aleia estreita de ser só, afunilada a cada passo, de repente se descortinaria o mundo azul imenso, onde cada bola de sabão guarda um segredo a chave, que só o verdadeiro solitário pode conhecer.
Mas muita gente não sentiu ainda o verdadeiro peso de ser só. Não carregou na cacunda o “eu” radiante, esplendoroso, que leva a tudo ser. O peso que, apesar de peso, não é peso, pois é o peso de só ser, o que é diferente. Não, não. Muitas pessoas carregam nas costas é um feixe de enguias. Um feixe de enguias de macarrão, grudento de seus sonhos e de seu egoísmo. É a solidão pesada, incompreendida. Inestudada.
Diferente é ser só. Aí é que se é livre, embora cada vez mais solitário. Cada vez menos gênios e menos sábios. Menos consoladores. Menos deuses. Cada vez menos mães a embalar no sono, menos mãos a alisar o rosto, cada vez mais só se tem a si mesmo.
Mas nunca o feixe de enguias às costas, o egoísmo grudento como macarrão aguado. Não, jamais. É outra coisa. E é preciso tempo para se entender. Mas se entende, um dia. Aprender a ser só para depois só ser. É uma descoberta. É como jogar no cara-ou-coroa e não dar nada. Nem a moeda em pé.
(Brasília, 1974)