MAR REVOLTO
Passeávamos pelo porto de Ushuaia, Argentina, em 2008, quando nos chamou a atenção o maior navio lá atracado. Era um quebra-gelo russo que levava cientistas e suprimentos para sua base na Antártida. Estávamos na primavera mas as montanhas dos últimos contrafortes dos Andes ainda estavam cobertas de muito gelo. A temperatura baixa e um vento cortante nos faziam levantar as golas dos casacos e ajeitar os cachecóis junto ao rosto. Luvas eram indispensáveis. Mas a beleza do lugar, a baía repleta de barcos, a água cintilante do mar sob o céu limpidamente azul , nos faziam esquecer a desagradável sensação de frio.
Atracado no porto, estava também um barco grande, de passageiros, que fazia passeios saindo pelo Canal de Beagle, margeando a grande ilha chilena de Navarino e indo um pouco mais para o sul com a promessa de mostrar aos turistas, em pequenas ilhas, colônias de lobos marinhos e, com sorte, pinguins e focas.
Ficamos tentados e compramos passagens para dali a pouco. Perambulamos pelo porto, aguardando a hora da partida. Nesse ínterim, percebemos que o vento se intensificava e o céu, antes ensolarado e sem nuvens, ia ficando cinzento. Naquelas paragens, é incrível como o tempo muda repentinamente. Com o céu nublado, o frio se intensificou.
Chegada a hora, embarcamos e o capitão nos acomodou junto a uma janela. Disse-nos para aguardar pois não tinha certeza se iríamos partir devido à mudança de tempo. Nessas condições não se recomenda a saída para o mar. Sabemos que o oceano, quanto mais próximo ao Polo Sul, mais bravo se apresenta. Aguardamos por cerca de 40 minutos antes de sermos informados de que nos devolveriam o valor das passagens por não haver condições de navegabilidade. Ficamos frustrados mas compreendemos as regras de segurança.
Já no hotel, horas mais tarde, me dei conta de que a Mão de Deus me impediu de fazer aquele passeio. Eu tenho problemas de labirintose, transtorno de movimento e de equilíbrio e não seria uma boa ideia navegar naquele mar, mesmo em dia tranquilo. Tenho certeza de que não passaria bem, mas empolgada pela aventura esqueci-me completamente do fato. Há males que vêm para bem!
Embora não tenhamos feito o passeio no mar, tudo o que vimos naquela cidade mais austral do planeta e em suas imediações, os lagos, incrivelmente transparentes e limpos, as montanhas cobertas de neve, a vegetação de Lenga, a cozinha que tem no cordeiro fueguino e no caranguejo gigante, a Centolla, seus pontos fortes, nos encantou profundamente. Não vamos esquecer tanta beleza e pretendemos voltar um dia...mas a viagem de barco, essa não vou fazer...