Apesar dos pesares...

Domingo, Dia dos Pais, foi um lindo dia de sol, apesar dos pesares. Nunca pensei que usaria essa expressão pra lá de batida de forma literal. Já a usara antes, tanto no dia a dia quanto em alguma crônica, mas nunca o havia feito de forma tão absolutamente literal, entendendo tão plenamente o seu sentido concreto, quanto ontem. Nesse Dia dos Pais, todos já sabíamos das 100.543 vítimas oficiais notificadas da Covid-19 no Brasil - um número que pode ser maior do que isso, dada a subnotificação até dos óbitos.

Assim, apesar dos pesares, foi um lindo dia de sol e Dia dos Pais para os que são pais e tem pais. Todavia, difícil de se abster emocionalmente ante uma realidade, ainda crescente, que está a afetar assim tanta gente. Um triste marco de uma tragédia em andamento. Sábado enviei duas gatas da vizinha para serem castradas - as da foto abaixo. Novas, ainda, irmãs. Sobem no muro alto dos fundos de minha casa e vem filar ração, já comprei três potinhos pesados de alumínio para serví-las e a seu irmão, o Vesgo. Eu as chamo de Dione & Ivone, em homenagem a minha tia e a minha mãe. Pois as engambelei e coloquei uma em cada caixinha para serem transportadas por um parente jovem da família até a veterinária. Elas ficaram desconfortáveis lá dentro, óbvio, mas quando coloquei as caixinhas com elas na frente de casa e o parente veio, dai eu senti que elas ficaram realmente assustadas, com muito medo. Medo do desconhecido. E, vocês sabem, medo contagia. O medo delas passou pra mim, pois naquele momento pensei no medo dos 100.543, medo que se confirmou no seu pior temor: o fim da vida. E isso me fez um mal danado. As gatinhas voltariam bem e ficariam bem, mas, naquele momento, ignoravam tudo acerca do que acontecia e aconteceria com elas e sentiram medo, muito medo. Nesse momento veio também à minha mente o título de um filme e de um livro que ainda não li e não assisti: A soma de todos os medos. Todos os medos estavam ali, somados, naquele momento: o das gatas, o meu e o dos 100.543. E o medo de muitos mais, nesses dias de pandemia.

Dia dos Pais, eu escrevia. Não fui visitar o meu, óbvio. Protocolo é protocolo, isolamento é isolamento. O vi por uma chamada de vídeo, relativamente longa. Conversamos bastante. Ele sem o seu charmoso cavanhaque branco. Reclamei. Ele estava de boa, feliz, embora preocupado, como todos. Uns dias ele está mais pra baixo, outros mais pra cima, mas, na média, ele vai de boa, isolado em casa, sobrevivendo. Como milhões na mesma situação dele, pelo Brasil e mundo afora, nesse momento.

Domingo foi um belo dia, onde um passarinho amarelo voava entre as flores rosas do ipê contrastando com o céu azul no Dia dos Pais, apesar dos pesares.

PS - Pela tarde, hoje, três rapazes de amarelo, conferindo os contadores de luz e entregando as contas, falando com as pessoas. Os três com máscara. Pendurada no queixo.