Caiu um raio no cabaré

Caiu um raio no cabaré

Outro dia, mandei uma postagem dessas de WhatsApp, para avaliação de minha amiga Lena Lustosa, até então, Juíza de Direito em Camocim-Ceara. Dava conta de uma encrenca judiciária entre um cabaré e uma igreja evangélica. Os dois estabelecimentos funcionavam próximos e tudo começou quando a dona do prostíbulo resolveu fazer mais um puxadinho, porque a clientela estava aumentando e ela precisava de mais mercadoria na prateleira.

O Pastor não gostou nada da novidade e, por absoluta falta de bom senso, partiu para guerra. Como os fiéis não tinham o hábito de orar baixo, o que muitas vezes até parece provocação aos vizinhos, ou pensam que Deus é surdo, aumentaram mais ainda o volume. Sem nenhuma cerimônia, pediram a Deus para interferir naquela edificação pecaminosa, naquele antro de perdição, covil de prazeres mundanos, Babilônia maldita e outras invectivas.

Ora, não demorou nada, foi o mesmo que bater com olho de machado! Foi tiro e queda! Quando o carteiro chegou ao céu, a resposta bateu na terra. Particularmente, eu não creio que tenha sido interferência de Deus, por motivos óbvios, e muito menos ainda do diabo, por motivos mais óbvios ainda, mas caiu um raio no cabaré, vindo sabe-se lá de onde, que mandou tudo pelos ares. Dai para o judiciário foi só um pulo de sapo.

Coitado do Meritíssimo (não confundir com meretrício) Juiz que se viu numa enrascada. O Pastor, para tirar o dele da reta, negou que tivesse alguma culpa e disse, textualmente, que as orações não valiam de nada. Já a dona do puteiro, para contrariar a lógica, dizia que as orações tinham força pra tudo. Agora durma com um barulho desses! A Pecadora empedernida tinha mais fé que o Levita! Não seria melhor trocarem de lugar? Parece-me que a prostituta tinha mais méritos para a pregação, que seu oponente.

O Juiz ficou mais perdido que grilo, atravessando viveiro de pássaros. Estava tão convencido da materialidade do crime, que não tinha dúvidas de que o mandante era o pastor, faltava só a presença do executor.

Ora, acusar Deus de um crime não é matéria fácil nem para os maiores juristas do planeta. Então como acusar um Ser Plenipotenciário e de lambuja invisível?

A arma do atentado era outro inconveniente de improvável perícia. Como diz a Lena: tudo acaba sobrando para o judiciário. Seria melhor resolver isso na Vara de Família numa audiência de conciliação.

Aqui em Aracaju, num conhecido bairro da Zona Sul tem uma praça. Em cada canto da praça, há um importante empreendimento que atrai muita gente. Num dos cantos, tem uma Igreja Católica, no ângulo oposto da diagonal, funciona uma Igreja Evangélica, e nos dois cantos dos lados adjacentes, temos um cabaré e um terreiro de macumba. Nada me parece mais paradoxal e improvável de acontecer igual em qualquer outra parte do mundo. De especial, existe a pacífica convivência e as meninas do puteiro são as mais ecléticas e versáteis, pois frequentam os outros três empreendimentos numa boa! O Evangelho que serve para as puritanas serve igualmente para as mundanas.

Antes que me esqueça, o nome da praça é Praça dos Quatro Poderes! Com essa, botaram Brasília no chinelo!

Quem é da paz do Senhor, que seja; quem for da Eucaristia, que continue sendo; quem gostar da Pomba Gira, que goste mais ainda e quem for do balacubaco da rebimboca da tatarineta, que se converta se puder. Sejam felizes, amem-se, convivam em paz. Somos todos filhos de Um mesmo Deus Supremo que é Amor. Em algum canto dos Evangelhos está escrito: “Os publicanos e as meretrizes vos precedem nos reino de Deus”.

Que ninguém se imiscua a ser juiz da fé do próximo. Vivemos num país heterogêneo e essa treta não se resolverá na vara terráquea.