Em Memória de Henry Ford

O homem cria os carros e as leis de trânsito, cria o turbo e os cintos de segurança, cria o nitro e os airbags. De um lado diz, vá, se mate! De outro lado diz, veja como nós somos cuidadosos! É uma hipocrisia sem tamanho. Desde a sua invenção, tenho certeza de que os automóveis mataram, e matam, muito mais do que tombos de cavalos e quedas de bicicletas.

As propagandas seduzem com requintes de conforto, potência, elegância, robustez. Quando você menos percebe, já está sedento pelo modelo mais novo, mais caro e mais veloz. No pacote vêm junto, os engarrafamentos, as multas de trânsito, o IPVA, a poluição, o preço da gasolina...

Salvo as armas de fogo, o carro é a arma mais letal que conheço. Por trás do volante, um pacato cidadão vira um matador voraz. Começa atacando as tartarugas e avançando um sinal vermelho. Mas logo está acelerando à 180 Km/h, arriscando a si e aos outros a troco de nada. Bebe aos litros em um posto de gasolina, e sai voando pela estrada. Booom! Está feito o estrago. Quantas vidas foram ceifadas desta maneira? Quem é que paga esta conta?

Outro dia me peguei pensando nas piores profissões que há. São muitas, mas logo me veio à mente a cena de um terrível acidente entre um enorme caminhão carregado, e um ônibus lotado de turistas. Se conseguir, coloque-se então na pele da equipe de resgate. Corpos mutilados, gritos e gemidos, sangue jorrando, morte. Será tudo isso mesmo necessário? Claro que não. Seria, o tão engenhoso homem, capaz de criar soluções mais seguras? Claro que sim.

O carro nada mais é do que uma armadura. Uma vez vestida, você se sente um super herói. Pode bater e amassar, sem que nada te ocorra. Pode desafiar, infligir, barbarizar, acelerar e tripudiar. Pode flertar, encantar, enamorar, instigar e humilhar. Aguça as mais profundas vaidades, potencializa os instintos.

No meu mundo ideal, não haveriam carros nem estradas de asfalto. Ainda andaríamos montados em quadrúpedes, ou nas azas da imaginação. As viagens seriam longas e prazerosas. Uma criança poderia correr livre e faceira em qualquer direção, pois seus pais não precisariam se preocupar com famintos monstros de metal, que esfacelam seus fedelhos.