O último verão

Aquele deveria ser o verão que marcaria o início do resto de suas vidas. Um verão cheio de planos, alguns já sendo realizados, uma casa na praia, um saber o que se quer e o que não se quer dali pra frente. Para ajudar, um clima maravilhoso, companhias especiais, relaxamento total. O dever estava cumprido, as feridas, cicatrizadas. Um prazer de querer o que é possível ter, contentar-se com pouco, desprezar o excesso. Tudo corria muito bem, e isso já deveria ter sido visto como um sinal. Aquela intuição de “bom demais pra ser verdade” não ocorreu. E, se tivesse ocorrido, nada teria alterado o que veio depois.

Com o nome de quarentena, como estratégia de luta contra um vírus, o curso de suas vidas mudou. Ou melhor, estagnou. Não só a deles, é verdade, mas a vida vive-se somente a nossa. E o que era o início de um futuro, quase um presente, virou passado, virou espera novamente. Um gosto amargo de gestação interrompida, de renovadas incertezas para o futuro, de nunca voltar a ver com os mesmos olhos as coisas como eram naquele verão. O que já havia sido deixado para trás reinstalou-se sem cerimônia e, ainda, acompanhado por coisas piores: susto, ansiedade, medo, perplexidade, impotência, insegurança. Portanto, só sentimentos ruins. Mas a experiência era de todo mundo, literalmente todo o mundo. Havia um certo sentimento de privilégio velado por estarem vivendo um período excepcional, um pertencimento à história sendo feita on the fly. Tudo iria passar, voltar ao normal. Será? Àquela altura, esperar demais essa volta significava jamais recuperar o que se tinha. Talvez pela idade deles, talvez pela desilusão ou pelos sentimentos ruins que insistissem em ficar.

E aí veio o outono, com seu céu azul e ventos frios, e levou toda a ingenuidade que ainda restava em suas vidas. E o verão, que deveria ser lembrado como o primeiro de não se sabe quantos outros, passou a ser aquele que merecia ser esquecido, o último verão antes do fim dos seus sonhos.

(17 Abril 2020)

Publicado em Crônicas da Quarentena, Páginas Editora, Belo Horizonte, Julho 2020

Anelê Volpe
Enviado por Anelê Volpe em 04/08/2020
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