Construção

Ouço dizer que o mais importante não é o destino, é o caminho percorrido, mas que caminho ingrato viu.

Outra noite de insônia, enquanto bebo o centésimo copo de café, tento escrever alguma coisa no caderninho estacionado na minha mesa. O caos interior, diferente das outras vezes, não me permitiu transbordar, me deixou estática, absolutamente nada do que escrevi me agradou, tive medo de não conseguir escrever nunca mais, mas eu acho que estou fazendo isso agora.

Uma pescada, um bocejo.

Estou prestes a fazer dezessete anos outra vez, sozinha no quarto, muita angústia para colocar em pouquíssimas palavras.

Outro bocejo.

Estou de frente ao mar de angústias, aquele me atormentou, mas acalentou a minha alma aflita e sem esperanças.

Não consigo conter as lágrimas. Ler os textos que já escrevi é olhar para as minhas vidas passadas, entre tantas mortes em vida me fiz e desfiz, me construí e desconstruí, me quebrei e juntei cada um dos pedaços. Agora, estou em busca de me Reconstruir, mas se eu soubesse que a jornada seria tão ingrata, talvez não tivesse embarcado nessa.

Demorei anos para construir a casa, meus pais começaram o trabalho, devo admitir que alguns problemas na base contribuíram para a demolição posterior, alguns tijolos fora do lugar, algumas coisas faltando e o resultado foi metade de uma casa bem problemática. Tentei assumir o posto de mestre de obras no projeto que já estava, por assim dizer, arruinado, construí por cima mesmo, fui empilhando tijolos, faça chuva ou faça sol, todos os dias eu estive lá construindo. Mesmo que tenha sido da forma errada, a casa estava de pé.

Apesar do meu esforço, os anos foram passando e a casa foi cedendo sem que eu percebesse, estive tão ocupada decorando, deixando bonita aos olhos alheios que acabei esquecendo completamente do mais importante, a estrutura. Quando dei por mim as telhas começaram a cair, tentei fazer remendos e até pedir ajuda, mas no fim das contas só eu poderia dar jeito naquela situação.

Passados os momentos de desespero, tomei a decisão de demolir, fazer os remendos não estava adiantando, precisei ser mais drástica. Foi difícil desapegar de mim, tantas histórias, tantas questões, tanto sofrimento para no fim acabar demolindo tudo.

Fiz o que foi necessário, do contrário, tudo iria desmoronar no meu corpo frágil, fácil de quebrar, fácil de sufocar. Demorou, mas limpei todo o terreno, quero começar do zero, construir a casa da minha maneira, certamente irei errar muitas vezes, mas acho que as falhas são inevitáveis.

O caminho tem sido ingrato, não tenho teto para aparar os temporais, não tenho coberta para refrescar do sol infernal, eu tenho apoio para os abalos emocionais, mas não o suficiente para impedir que eu caia e pense em desistir no meio da obra.

Não sei o que me aguarda no futuro, talvez outra demolição, talvez um lar doce lar, mas seja qual for o destino, espero que…

Acordei no dia seguinte. Uma dor maldita nas costas e um caderno, cheio de rabiscos e saliva, não conclui o pensamento, mas de certo modo é assim que me sinto, incompleta, caminhando, em construção.

Brenda Nascimento
Enviado por Brenda Nascimento em 04/08/2020
Código do texto: T7025916
Classificação de conteúdo: seguro