ODE AOS ÓCULOS
Meus óculos fazem bem mais do que, simplesmente, corrigir as falhas da miopia. Eles filtram o que os olhos vão enxergar. É como se eu tivesse um fiel sentinela sobre o nariz com a tarefa de poupar-me de ver cenas que poderiam acarretar tristeza, lamentos, dor no peito. Assim quando percebem que algo adverso se avista, imediatamente refazem o cenário para torná-lo menos afligível, menos rebarbado, menos cruel. Assim só vejo um mundo afável, belo, sorridente. Assim não serei alvo das nevascas da miséria, da inquietude da desumanidade, do aridez da fome, do desmantelo da solidão. Por isso nunca vou me desfazer deles. Pelo menos enquanto não quiser degustar de certas infelicidades que povoam o redor com tanta disposição e verdade.